Título: A ingerência do Executivo enfraquece o Judiciário
Autor: Pires, Mozart Valadares
Fonte: Correio Braziliense, 07/05/2009, Opinião, p. 27

O Congresso Nacional, ao promulgar o atual texto constitucional em 5 de outubro de 1988, decretou o fim de um regime autoritário e restaurou no país a democracia, maior conquista da sociedade brasileira nas últimas décadas. A Carta Magna assegurou as prerrogativas dos poderes da República, tornando-os verdadeiramente harmônicos e independentes entre si.

No âmbito do Legislativo, todos os parlamentares, nos diversos níveis ¿ distrital, municipal, estadual e federal ¿ são eleitos diretamente pelo sufrágio popular, o mesmo ocorrendo com o Executivo, pela eleição de prefeitos, governadores e presidente da República. As escolhas dos secretários municipais, estaduais e ministros de Estado, assim como dos demais auxiliares da administração, são de livre nomeação dos chefes do Executivo, não havendo, portanto, qualquer interferência ou ingerência entre os poderes.

Entretanto, em relação ao Judiciário, a autonomia tem sido comprometida pelos mecanismos de composição dos tribunais brasileiros. No recrutamento dos representantes dos tribunais de Justiça dos estados, dos tribunais regionais federais e do Trabalho, e das cortes superiores observamos uma participação efetiva do Executivo, com forte influência do Legislativo. Tal ingerência está em descompasso com os princípios democráticos e com o ideal republicano, além de não refletir adequadamente o sistema de freios e contrapesos informador da relação entre os Três Poderes.

Uma das formas de interferência do Executivo no Judiciário é o quinto constitucional. Instituído pela Carta de 1934 sob o argumento de oxigenar o Judiciário, o mecanismo permite o acesso de advogados e membros do Ministério Público aos tribunais, sem que passem por concurso público.

Na prática, o quinto tornou-se uma ferramenta de controle político, em que a seleção de um pretendente em detrimento de outros fez do processo um embate em que vence o candidato com mais trânsito e maior capacidade de articulação política. Efetivamente, a manutenção desse mecanismo na composição dos tribunais brasileiros tornou-se desnecessária, uma vez que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem cumprido o objetivo de oxigenar o Judiciário por contar com a participação expressiva da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público e ter mandatos fixos para seus membros.

No que diz respeito especificamente à ascensão ao Superior Tribunal de Justiça, a magistratura de carreira encontra-se em total desprestígio, pois atualmente os membros oriundos da advocacia e do Ministério Público ocupam mais da metade das vagas na referida corte. A continuar assim, é possível antever que, dentro em breve, chegaremos ao paradoxo de não termos magistrados de carreira integrando os tribunais superiores.

No âmbito dos tribunais regionais federais e dos tribunais regionais do Trabalho, outro problema se apresenta aos juízes que aspiram chegar ao 2º grau. Diferentemente do que acontece nos TJs, onde os desembargadores promovem os juízes por meio de voto aberto e fundamentado, os plenos dessas cortes de Justiça não são os responsáveis pelas promoções por merecimento e sim o presidente da República. Na prática, o chefe do Executivo desconhece a carreira jurídica dos candidatos à vaga, o que faz com que seja escolhido aquele que tem mais apoio político na região. O mesmo acontece nos tribunais superiores, notadamente na mais alta corte de Justiça, cujo atual modelo de composição é pautado, sobretudo, em critérios de conveniência política.

Como podemos observar, muitas são as contradições e poucos ¿ ou nenhum ¿ os critérios que regem a nomeação e a composição dos tribunais brasileiros. A escolha de alguns representantes, por indicação do Executivo, ainda que com a chancela do Legislativo, está muito mais para uma violação à independência do Judiciário do que a aparente alegação de processo democrático.

Cumprindo o dever de fortalecer o Judiciário e a promoção dos valores do Estado Democrático de Direito, a Associação dos Magistrados Brasileiros acredita que é chegada a hora de enfrentar essa discussão.