Título: Conferência defende revogação da Lei de Imprensa
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Fonte: O Globo, 30/04/2008, O País, p. 9

Seminário da ANJ e da Unesco na Câmara também teve críticas a decisões judiciais que revivem censura

BRASÍLIA. Representantes das principais empresas jornalísticas do país e parlamentares defenderam ontem a revogação definitiva da Lei de Imprensa, em análise no Supremo Tribunal Federal. A necessidade de se abolir de vez o texto, instituído em 1967 pela ditadura militar, foi o principal tema da II Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, promovida na Câmara pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) e pela Unesco. O seminário também foi palco de protestos contra decisões judiciais que ressuscitam a censura prévia e obrigam veículos de comunicação a pagar indenizações abusivas em ações de reparação por danos morais.

O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), classificou a Lei de Imprensa como anacrônica e prometeu agilizar a criação de novas regras adequadas ao regime democrático. Em fevereiro, o ministro do STF Carlos Ayres Britto suspendeu temporariamente 22 artigos do antigo texto, que previa penas maiores para jornalistas por crimes de calúnia e difamação e admitia a apreensão de publicações consideradas ofensivas "à moral pública e os bons costumes". O tribunal ainda não marcou data para julgar o tema em plenário.

Para o presidente do Grupo Folha, Luís Frias, é preciso criar normas para impedir que ações orquestradas na Justiça sejam usadas como arma para intimidar jornalistas. Ele defendeu a aprovação de uma nova lei que vede expressamente qualquer tipo de censura prévia.

- A atividade das empresas jornalísticas continua limitada por uma lei autoritária do regime militar. Uma legislação de imprensa democrática deveria abolir a censura prévia, mesmo quando exercida por magistrados - afirmou.

Indenizações exorbitantes

As decisões judiciais que obrigam jornais e revistas a ocupar diversas páginas com a publicação de longas sentenças foram criticadas pelo vice-presidente das Organizações Globo João Roberto Marinho. Ele também condenou a fixação de valores exorbitantes em indenizações por supostos delitos de opinião.

- Algumas decisões judiciais continuam criando obstáculos ao funcionamento da imprensa brasileira. Por vezes, (essas indenizações) visam não a reparar o erro, mas a enriquecer o ofendido - disse.

O presidente da Editora Abril, Roberto Civita, afirmou que nenhuma lei deve restringir a atividade dos meios de comunicação. Ele disse que a auto-regulação e a livre concorrência são as melhores formas de evitar eventuais abusos ou distorções na circulação das notícias.

- Na imprensa, quanto menos legislação, melhor. Todas as vezes em que se tenta legislar ou enquadrar atividades que deveriam ser livres, a democracia corre riscos - alertou.

O histórico de violação à liberdade de imprensa no Estado Novo e na ditadura militar foi lembrado por Júlio Cesar Mesquita, integrante do Conselho de Administração do jornal "O Estado de S. Paulo". O assessor especial da Unesco Célio da Cunha afirmou que o noticiário livre permite que a luta física seja substituída pela luta de idéias nos países democráticos.

Anfitrião do evento, Chinaglia prometeu dar velocidade aos estudos para a criação de uma nova lei para regular os meios de comunicação:

- Votar a nova lei é um objetivo e um compromisso diante da função social da imprensa. Vamos fazer esse debate de maneira pública, à luz do dia.

O presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), reconheceu que a imprensa tem cumprido seu papel de forma mais eficiente que o Congresso. Ele fez um apelo para que os parlamentares retomem a sintonia com a opinião pública demonstrada em momentos históricos como a campanha das Diretas-Já e a convocação da Assembléia Constituinte de 1988.

- Hoje essa cumplicidade está comprometida, porque a imprensa parte na frente e o Parlamento fica, vacilante, atrás.

Imprensa presente na vida política

Vice-presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa, o jornalista Enrique Santos cobrou a aprovação de uma lei federal para garantir o acesso da imprensa a informações públicas, como ocorre em outros países. Ele lembrou que um projeto dessa natureza já tramita há cinco anos no Congresso, mas ainda não tem prazo para ser votado em plenário. Se o texto for aprovado, as autoridades serão obrigadas a ceder documentos e prestações de contas pedidos por jornalistas, salvo em casos de ameaça comprovada à segurança nacional.

- O acesso às informações públicas permite a participação efetiva das pessoas em decisões que interferem em suas vidas - defendeu Santos, que é diretor do jornal colombiano "El Tiempo".

Na segunda parte da conferência, o senador Marco Maciel (DEM-PE), o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, debateram a participação da imprensa na trajetória política brasileira. Maciel destacou a importância histórica de artigos publicados por Joaquim Nabuco, Machado de Assis e Ruy Barbosa. Ele disse que as novas tecnologias não serão capazes de tirar do jornal o papel de principal arena da opinião pública.

- Assim como o rádio não acabou com a televisão, o jornal vai continuar vivo - afirmou.

O presidente da OAB alertou para o perigo de que a proliferação de escutas clandestinas quebre o sigilo da fonte, um dos principais pilares do jornalismo, e prejudique a apuração de reportagens investigativas. Britto chamou a Lei de Imprensa de entulho autoritário e reforçou o coro contra as decisões judiciais que impõem a censura prévia ao impedir, por exemplo, que jornais e revistas mencionem a participação de determinados políticos em escândalos de corrupção.

- O mal maior que se pode impor a um país é calar, censurar o pensamento - disse o advogado.

Mediador dos debates, o presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, anunciou a criação do Prêmio ANJ Liberdade de Expressão, que será concedido pela primeira vez em agosto. A conferência fez homenagens às memórias de Octavio Frias de Oliveira, ex-publisher da "Folha de S.Paulo", e Demócrito Dummar, presidente do jornal cearense "O Povo".