Título: O salto do piso
Autor: Buarque, Cristovam
Fonte: O Globo, 10/05/2008, Opinião, p. 7

Há quase 14 anos, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e o MEC assinaram um protocolo de intenções, para definir e implantar um Piso Salarial Nacional para os professores do Brasil. Desde então, esse sonho esteve presente entre os professores, que seriam os beneficiários diretos, e a população em geral, a grande beneficiária. Logo no começo do primeiro mandato do presidente Lula, em 2003, houve uma tentativa de transformar o protocolo em realidade.

Um projeto de lei começou a ser analisado na Casa Civil, para superar as dificuldades administrativas, financeiras e políticas que envolviam os três níveis de governo e o próprio pacto federativo.

Na próxima semana, o Brasil comemora 120 anos da Abolição da Escravatura. Quase simultaneamente, a Câmara dos Deputados dá o último passo para aprovar o piso salarial do professor em todo o território nacional. A Lei da Abolição não foi completa como elemento de emancipação, mas foi um gesto transformador. Fundamental na transformação de uma sociedade escravocrata em sociedade livre. O piso também não mudará, sozinho, a realidade da educação, mas é um grande salto.

Enquanto o salário do professor for tão desigual entre as cidades brasileiras, será impossível ter uma educação nacional. Ela continuará tão desigual quanto a renda das cidades brasileiras. Enquanto os salários dos professores tiverem valores baixos, o magistério não atrairá o contingente de jovens capazes de que o Brasil precisa. Mesmo incompleto, como foi a Abolição, o piso significa o início da nivelação nacional do magistério, além de uma elevação substancial do salário. O valor aprovado nesta semana é também a prova de que a política pode ser um instrumento de convergência. E mostra que é possível agir, quando as forças políticas se unem.

Em março de 2004, teve início no Senado o primeiro projeto de lei formalizando o piso. Entre março de 2004 e maio de 2008, houve um longo processo de interesses coincidentes. A ponto de, em 2007, o governo ter mandado um projeto próprio, que correu junto com o originado no Senado. Esse projeto não teria sido aprovado sem o apoio do ministro Fernando Haddad e do presidente Lula, sem o apoio das bases do governo e das forças de oposição.

Depois de aprovado no Senado, o projeto foi enviado à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, graças ao parecer substitutivo do deputado Severiano Alves. O projeto do governo foi apensado, mantendo-se o reconhecimento da origem no Senado - o que é importante para mostrar o respeito do Executivo e resgatar o papel do Congresso. Depois de aprovado na Comissão de Educação, o projeto foi analisado nas diversas comissões e na Comissão de Constituição e Justiça, onde recebeu a importante contribuição do relator, deputado Cezar Schirmer.

Os deputados Arnaldo Faria de Sá e Flavio Dino estenderam o benefício do piso aos professores aposentados. Por força de lei, a inclusão dos aposentados ocorreria naturalmente em pouco mais de um ano, mas a emenda antecipa a inclusão. Todos estão convencidos de que há condições para que o projeto seja aprovado e enviado à sanção do presidente. Os professores do Brasil passarão a ter um piso nacional, e também um substancial aumento de salário.

No momento, a média dos pisos estaduais e municipais é de R$420; passará a R$950. Mais de 1,5 milhão de professores terão seus salários substancialmente elevados. É uma vitória do Congresso, porque aqui nasceu o projeto; do governo, porque serão do presidente Lula e do ministro Haddad as ações finais para sancionar a lei; da oposição e da bancada governista, porque demonstram que é possível um acordo visando aos interesses maiores do país.

É, sobretudo, uma vitória do Brasil, porque com o piso nacional os professores vão poder se dedicar mais, e mais jovens verão no salário do magistério um atrativo. Vai ajudar a construir um futuro melhor para o país. É um passo a ser comemorado, como foi a Abolição. Não representa todo o necessário, mas é um grande salto.

CRISTOVAM BUARQUE é professor da Universidade de Brasília e senador (PDT/DF)