Título: Conselho sugere médico em ações policiais
Autor: Mendes, Taís
Fonte: O Globo, 25/05/2008, Rio, p. 18

Objetivo é que profissional não só evite a remoção de cadáveres, como ainda atenda participantes da incursão feridos

O Conselho Regional de Medicina (Cremerj) vai propor que um médico da Polícia Militar ou da Polícia Civil acompanhe as operações policiais já programadas. A sugestão será apresentada no VII Congresso Médico dos Hospitais Públicos de Emergência do Rio, no dia 14 de junho, no Hotel Intercontinental, em São Conrado. A presença do profissional de saúde nas incursões em áreas de risco, segundo a direção do conselho, poderia evitar a remoção de pessoas já mortas. Além disso, o médico poderia socorrer os próprios policiais.

Segundo o Cremerj, a medida desobstruiria as entradas das emergências.

¿ Quando chega um cadáver, o médico tem que parar tudo, preencher guia de óbito, com dados que muitas vezes ele não tem ¿ justifica a presidente do Cremerj, Márcia Rosa de Araujo.

Na avaliação dela, um profissional de saúde nas operações também resolveria uma questão preocupante: o relacionamento conflituoso entre policiais e médicos no momento em que o cadáver dá entrada na emergência.

¿ Evitaria esse choque desnecessário entre médicos e policiais, estressados pelo trabalho. Geralmente, esse choque não acontece sem seqüelas. Alguns chefes de emergência relatam a forma como são intimidados pelos policiais ¿ disse a presidente do conselho.

Preservação de local pode levar o dia inteiro

Peritos acreditam que, além da intenção de desfazer o local do crime para prejudicar a perícia e a elucidação de autos de resistência (registros de morte de civis em confrontos com a polícia), o objetivo dos policiais, ao remover cadáveres, também é desfazer-se de um problema de longa duração.

¿ Quando há um crime, sendo ou não um auto de resistência, os policiais que estão com a ocorrência são obrigados a aguardar a chegada de um delegado, da perícia e, por fim, do rabecão. Têm que preservar o local do crime e isso pode levar o dia inteiro. Ao deixar o corpo no hospital, termina a ingerência do policial. Mas isso está errado ¿ comentou Erlon Gonçalves Reis, vice-presidente da Associação de Peritos do Estado do Rio.

O perito lembra que a prática acaba se voltando contra os próprios policiais:

¿ O que não faltam são organizações não governamentais criticando a polícia que desfaz os locais para que não se identifiquem os criminosos. Além disso, mesmo que os policiais pensem que a vítima está viva, o correto é chamar um socorro médico. Há inúmeras campanhas orientando a população a não remover vítimas, para não prejudicar ainda mais o estado de saúde delas, e a regra deve valer também para a polícia.

O perito Mauro Ricart lembra que, até mesmo quando não há corpo, o local não é preservado:

¿ Hoje é uma bagunça generalizada: policiais, imprensa e até autoridades não respeitam local de crime. Os locais são destruídos, mascarados e isso prejudica o trabalho da perícia. É fundamental a preservação do local do crime. Isso é primário. A investigação de muitos casos é prejudicada pelo fato de o local ter sido desfeito.

Júlio Noronha, médico do Hospital Geral de Bonsucesso há 30 anos e com uma experiência de 13 no comando da emergência, conta que a prática de levar mortos para os hospitais não é nova.

¿ Mas agora o volume é maior. Muitas vezes, PMs chegam nervosos, armados com fuzis, gritando, como se estivessem socorrendo aquelas pessoas mortas. Pacientes e funcionários ficam com medo. É realmente uma cena assustadora.

Jorge Darze, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, recebe constantemente denúncias de médicos sobre policiais que levam cadáveres para as emergências. Ele destacou que, além dos transtornos que provoca na rotina do hospital, a constante chegada de policiais fortemente armados com pessoas mortas traz riscos à saúde dos profissionais.

¿ Agrava também a saúde dos outros pacientes que estão sendo atendidos na emergência. Os médicos e enfermeiros são intimidados e se vêem trabalhando num verdadeiro campo de guerra. Eles não foram treinados para isso. E o governador insiste em dizer que a política de segurança pública é de confronto, em vez de estabelecer segurança pública por outro caminho, com políticas sociais. Os cadáveres são conseqüência de isso tudo.

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