Título: Itaipu, obra intocável :: Delcídio Amaral
Autor: Amaral, Delcídio
Fonte: O Globo, 30/05/2008, Opinião, p. 7

A eleição de Fernando Lugo no Paraguai deve ser comemorada por todos os defensores da democracia. A vitória do ex-bispo pode ser o anúncio de novos ares num ambiente contaminado por décadas de autoritarismo e corrupção. No entanto, sua campanha eleitoral foi tisnada por um estilo que lembrou o radicalismo de um Hugo Chávez ou um espírito de revanche de um Evo Morales.

As conseqüências ainda se fazem sentir, apesar da moderação das palavras mais recentes do presidente, que toma posse em agosto. Na campanha, Lugo dizia, por exemplo, que os termos do Tratado de Itaipu espoliavam o Paraguai. Uma vez eleito, mudou de tom. Disse que pretende um relacionamento sério e amistoso com o Brasil.

Mas as sementes da discórdia plantadas durante a campanha eleitoral continuam a germinar. Não é apenas Itaipu. São também os brasileiros que adquiriram terras para produzir riquezas no Paraguai. Esses brasileiros não "invadiram" o Paraguai. Não podem ser vistos como "imperialistas". A não ser que se atribua aos imigrantes italianos que vieram para São Paulo no início do século passado essa qualificação. Eles estão no Paraguai como cidadãos, trabalhando, pagando impostos, respeitando as leis. E são ameaçados pelo movimento dos "campesinos" que adotaram a pratica de queimar bandeiras brasileiras nas suas manifestações.

No caso de Itaipu, que é metade brasileira, metade paraguaia, que se reconheça que a usina jamais se tornaria viável sem os nossos recursos. Itaipu não poderá jamais ser encarada como uma empreitada comercial. Tanto a Ata como o Tratado de Itaipu prevêem que a energia não utilizada por um dos condôminos só poderá ser usada pelo outro negociada "a preços justos".

A usina também não existiria se o Brasil não assegurasse que compraria do Paraguai todo o seu excedente. Foi a existência desse mercado cativo durante anos que viabilizou os créditos internacionais para a construção da obra. Resultado dessa parceria: hoje a usina está avaliada em US$60 bilhões. Ela é metade do Brasil, metade do Paraguai.

Em termos de produção, somados os 50% que pertencem ao Brasil com o excedente paraguaio, chegamos a consumir 95% da energia produzida. E o Brasil, apesar das supostas acusações de espoliação, paga por ela preços de mercado: US$45,31 o megawatt-hora. Se o Paraguai insistir e reivindicar tarifas maiores - porque justas elas já são - o consumidor é que será punido, no Brasil e no Paraguai.

Deveríamos ter uma política de fronteiras mais eficaz. Não interessa ao nosso país uma postura imperial se o nosso entorno viver em condições precárias. Mas há inúmeras formas de fazer isso sem mexer numa obra de concepção perfeita como Itaipu.

DELCÍDIO AMARAL é senador (PT-AM).

www.oglobo.com.br/opinião