Título: A Constituição e os Portos
Autor: Filho, Marçal Justen
Fonte: O Globo, 29/05/2008, O Globo, p. 7

As operações portuárias públicas são realizadas por terminais operados por concessionários privados, mediante licitação. Os concessionários obrigam-se a cobrar preços módicos e tratar de modo igual os usuários. Sujeitam-se a controle rigoroso e pagam à União importâncias elevadas para a obtenção e a manutenção das concessões. Realizam investimentos vultosos para recuperar e ampliar as instalações portuárias, que revertem à União.

Em dez anos, mais de um bilhão de dólares foram investidos em terminais públicos de contêineres. Três deles captaram, no mercado de ações, mais de 2,5 bilhões de reais para aplicar na expansão futura da infra-estrutura. A movimentação de contêineres no Brasil quintuplicou e o comércio exterior passou de 100 bilhões para 280 bilhões de dólares. Criou-se um mercado com ampla competição: entre portos, entre terminais e no âmbito das várias licitações.

A concessão de terminais públicos é o instrumento para atrair a iniciativa privada para o setor portuário, mantendo o controle público. A Constituição (art. 21, XII, f) atribuiu à União a competência para explorar os portos, por sua relevância econômica e pela soberania nacional. Previu a licitação como obrigatória (art. 175). A criação de terminais privativos com função de terminais públicos sem prévia licitação é inconstitucional.

A finalidade legal dos terminais privativos é movimentar carga própria e, acessoriamente, de terceiros. Não há serviço público, mas satisfação de interesse privado, daí caber a autorização do art. 21, XII, da Constituição. A prestação de serviços ao público em geral exige concessão e prévia licitação.

Os terminais privativos prestam serviço privado. Podem eliminar ou reduzir a movimentação de determinadas mercadorias. Podem interromper a sua operação ou estabelecer privilégios entre os usuários. O investimento reverte em ganho para o investidor, não para o patrimônio público. Admitir que terminais privativos prestem serviços públicos é subordinar o interesse da nação brasileira ao capital privado.

A competição deve ser ampliada sem a criação de terminais privativos. Não cabe a competição entre terminais com regras diferentes, levando os terminais públicos à insolvência. A licitação prévia garante a concorrência no acesso ao setor portuário e impede a cartelização.

O Brasil e todos os países civilizados preservam o controle público sobre seus portos. Generalizar os terminais privativos levará o país à condição única de eliminar os portos públicos. O pior será seu provável controle pelo capital estrangeiro. A privatização indiscriminada dos portos é o primeiro passo na sua alienação para os armadores multinacionais.

A busca de investimentos e a expansão do setor portuário são realizáveis no modelo atual. A expansão da capacidade depende tão-somente da licitação de novos terminais públicos e do aperfeiçoamento do marco regulatório, adequando os portos aos navios de grande porte. O que não podemos é alienar a soberania nacional.

MARÇAL JUSTEN FILHO é doutor em Direito, professor e advogado.