Título: "Brasil é um parceiro praticamente único"
Autor: Sannino, Stefano
Fonte: Correio Braziliense, 15/05/2009, Mundo, p. 21

Na semana passada, Brasília recebeu discretamente a visita de um emissário que ocupa função chave na União Europeia (UE): o italiano Stefano Sannino, diplomata de carreira, que responde pelas relações com a América Latina e ocupa interinamente a Direção Geral de Relações Exteriores. Sannino teve reuniões com o chanceler Celso Amorim, o ministro Guido Mantega e os presidentes da Câmara e do Senado, com o propósito de explorar caminhos para colocar em prática o plano de ação da parceria estratégica Brasil-UE, lançado na cúpula bilateral de dezembro passado. Em entrevista ao Correio, o alto funcionário europeu foi enfático na aposta do bloco europeu em uma relação que, pela perspectiva de Bruxelas, ¿nunca foi tão bem¿ ¿ apesar dos ruídos que persistem, com toda a América Latina, em torno do delicado tema da imigração.

Quais são as perspectivas para a relação entre Brasil e União Europeia, com a crise financeira como pano de fundo? Minha apreciação é que nunca tivemos um nível tão saudável de relações com o Brasil, e com expectativas tão promissoras. Começamos a dialogar em várias áreas de interesse comum, como meio ambiente, energia, transportes aéreos, medidas fitossanitárias e muitas outras. E vamos abrir outras. O comissário Fiegel virá para falar de cultura e educação. No fim de junho teremos o diálogo no campo macrofinanceiro, que será extremamente interessante, à luz da crise econômica. Temos uma relação muito sólida, diversificada, extremamente ampla em termos de assuntos cobertos, uma relação que tem muita vitalidade e nos permite trabalhar juntos em muitas áreas.

O que está em andamento? Eu gostaria de ressaltar uma iniciativa em particular, que é a cooperação em programas de desenvolvimento para terceiros países, especialmente na África. Eles se estendem a vários setores, e um que interessa claramente ao Brasil é o dos biocombustíveis, mas também cobrem saúde e educação, que são muito importantes. Isso faz do Brasil um parceiro praticamente único no contexto das nossas relações externas, certamente um dos principais parceiros estratégicos da União Europeia.

A imigração tem sido um tópico central nas relações da Europa com a América Latina. Que impacto a crise pode ter nessa questão? Temos tentado olhar para esse fenômeno por ambas as perspectivas, a dos países de origem dos imigrantes e a dos países de destino, porque há problemas de ambos os lados. A migração é provocada, em um sentido mais geral, pelas dificuldades econômicas, portanto temos de levar em consideração esse fator. Os imigrantes são pessoas que sofrem e estão em busca de uma vida melhor. Por outro lado, é importante também compreender que a Europa se tornou um ímã para ondas migratórias vindas de todas as partes do mundo ¿ não apenas da América Latina, mas da África, do Oriente Médio, da Europa Oriental. Existem problemas quanto às condições em que essa migração se desenvolve. Por essas razões, a UE tenta estabelecer uma política que seja relativamente simples e baseada, em linhas gerais, na ideia de favorecer fluxos migratórios regulares, combater a imigração irregular e tentar responder às raízes do fenômeno, que se ligam ao desenvolvimento.

Qual é a perspectiva da UE? A Europa quer continuar sendo um continente aberto, mas também quer assegurar que os imigrantes que chegam possam ser bem recebidos pela sociedade, conseguir um emprego e desfrutar dos mesmos direitos que nossos cidadãos têm. E sabemos que, para isso, temos de organizar os grandes fluxos. Esse é o ponto para nós: como administrar? Precisamos da ajuda dos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a imigração ilegal tem de ser combatida, pois cria uma situação muito difícil para a Europa e para os próprios imigrantes, que não podem assegurar os mesmos direitos dos cidadãos europeus e serão explorados, contrabandeados como mercadorias. Daí as medidas que tomamos a esse respeito. Estamos há praticamente um ano discutindo isso com a América Latina, para esclarecer nossas políticas e iniciativas. Espero que logo possamos ter um marco concertado para tornar esse diálogo mais concreto e substancial, e possamos atacar essa questão específica nas três linhas que mencionei: imigração regular, irregular e o desenvolvimento. Se chegarmos ao ponto de estabelecer uma verdadeira cooperação, teremos atingido um objetivo importante, e o assunto como um todo começará a ser visto de uma maneira bem menos tensa. Isso nos permitirá encontrar soluções concretas para os problemas específicos que surjam.

A América Latina emergiu da cúpula realizada na Bahia, no ano passado, como um bloco político. Como a UE vê esse movimento? A Europa foi sempre muito favorável à integração latino-americana. Quanto mais a região avançar, tanto maior serão a segurança, a estabilidade, a prosperidade. Saudamos essa evolução e tentaremos colocar sobre a mesa, em futuro bem próximo, propostas concretas para ajudar nesse processo e também no desenvolvimento econômico integrado da região. Para nós, essa é uma tendência muito positiva.

-------------------------------------------------------------------------------- " A UE tenta estabelecer uma política baseada, em linhas gerais, na ideia de favorecer fluxos migratórios regulares, combater a imigração irregular e tentar responder às raízes do fenômeno, que se ligam ao desenvolvimento "