Título: O sal do petróleo
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 05/07/2008, Economia, p. 26

Nesta semana, o preço do petróleo furou sucessivamente o que parecia ser o teto. E, aqui dentro, o futuro petróleo do pré-sal virou motivo de briga entre pessoas do governo. Disputas entre a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia se resolvem; o perigo maior é o de que mudanças impensadas elevem o risco regulatório na exploração desse petróleo, a qual já será tecnicamente complexa.

Numa entrevista que fiz com o ex-diretor de exploração e produção da Petrobras Wagner Freire e o professor Helder Queiroz, do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, na Globonews, eles explicaram que as perspectivas do petróleo na camada de pré-sal são mesmo promissoras, mas que demorará muito tempo, talvez uma década, para que esse produto seja comercializado. O que vai acontecer agora é só um teste, parte das avaliações do tamanho da reserva.

- Os concessionários sequer declararam a comercialidade dessas descobertas e é preciso perfurar mais para fazer uma avaliação mais precisa e saber exatamente a dimensão dos campos. Não há um mar de petróleo de Santa Catarina ao Espírito Santo. Em algumas áreas de concessão, o petróleo não está confinado àquela área, por isso será preciso fazer um processo complexo - que talvez exija arbitragem - do que se chama tecnicamente de unitização. A mudança do modelo de exploração torna tudo isso mais complicado ainda. Imagine dois blocos vizinhos com regimes regulatórios diferentes tendo que discutir a fórmula de divisão do petróleo explorado? - comenta Wagner Freire.

Desde que foi descoberto petróleo na camada de pré-sal, muita coisa contraditória já foi dita pelas autoridades. Semana passada, o ministro de Minas e Energia defendeu a criação de uma nova empresa estatal para cuidar só do pré-sal, e criticou o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, porque ele discorda disso. O governo está pensando em mudar a forma de exploração para um sistema de partilha de produção, acabando com os leilões de concessão que existem hoje. O argumento é de que os campos serão muito produtivos, e o modelo atual lesaria o governo.

Wagner Freire acha que isso é bobagem, porque o government take (participação do governo na receita das empresas) pode ser aumentado por decreto com a elevação da participação especial, e ele não vai aumentar mudando o modelo. Pode até ocorrer o oposto.

Helder Queiroz acredita que o que deve ser preservado é o "ambiente de negócios", tão bem sucedido que permitiu que essas descobertas fossem feitas:

- O Brasil optou pelo modelo de concessão, com a Petrobras como líder. Quando se associa, ela consegue repartir os riscos. Não podemos deixar para trás mudanças que permitiram um círculo virtuoso - afirma o professor.

Toda esta safra atual de idéias - mudar regime de concessão, criar uma nova empresa estatal, modificar a lei do petróleo, estabelecer destinos para o dinheiro que virá da exploração do pré-sal - só consegue gerar confusão e risco regulatório exatamente quando as coisas estavam dando certo. É preciso mais objetividade na análise das possibilidades e barreiras para se extrair essa riqueza do fundo - muito fundo - do mar.

É bom lembrar - ressaltou Wagner Freire - que o campo de Roncador, por exemplo, foi descoberto em 1996 e poderia estar produzindo 500 mil barris/dia, porque é um supercampo, mas ele produz apenas 180 mil barris, porque ainda se discute onde será instalada a segunda plataforma.

Helder Queiroz diz que uma das razões da atual disparada dos preços é que muitos projetos não se realizaram. A Agência Internacional de Energia listou 27 projetos de plataforma que deveriam entrar em operação em 2008 e não vão entrar.

Motivos assim fizeram com que caísse a relação entre oferta e procura. Ainda há, no mundo, uma oferta excedente de 1,4 milhão de barris/dia de petróleo, mas o normal é ter algo em torno de 5 milhões de barris/dia além do consumo. Este choque do petróleo que vivemos atualmente tem uma característica bem diferente dos anteriores.

- Em 1973, houve um embargo; em 1979, a guerra Irã-Iraque fez com que a produção do Irã caísse, da noite para o dia, de 5 milhões de barris/dia para 500 mil barris. Agora não há um motivo, mas, sim, vários: a China, que não era importadora, passou a ser a segunda maior; os custos de produção aumentaram muito: o aluguel de uma sonda era US$70 mil por dia, hoje quem encontra uma para alugar paga sorrindo US$600 mil; de 2006 para cá, triplicou o volume de negociações com os papéis futuros de petróleo - contou Helder Queiroz.

Os dois especialistas admitem que, mesmo descontando todos esses fatores, não dá para explicar uma alta tão descontrolada e forte do petróleo. O primeiro carregamento do ano passado pagou o preço de US$55 por barril e, esta semana, o preço bateu em picos de US$146. Ontem acabou fechando a US$144.

Ambos acham que a turbulência no mercado de petróleo vai continuar, porém, a médio prazo, apostam que o preço cai um pouco. Wagner Freire acredita que não abaixo de US$100. Este seria o novo patamar. Para Helder Queiroz, pode cair para US$70, pois a história do petróleo é cheia de choques e contrachoques.

O quadro é de incerteza e volatilidade. O melhor seria, para o Brasil, consolidar o marco regulatório e trabalhar duramente para entender todas as zonas de sombra na regulação. Desta forma, pode atrair um maior número de investidores. O erro é perder tempo com as brigas de grupos dentro do governo e assustar os negócios com a instabilidade regulatória.