Título: A volta do monopólio
Autor: Dornelles, Francisco
Fonte: O Globo, 04/08/2008, Opinião, p. 7

A lei 9.478 abriu caminho para o crescimento excepcional da indústria do petróleo no Brasil que hoje já representa 10% do PIB. Embora tenha ocorrido à quebra do monopólio estatal, esse crescimento foi impulsionado pela Petrobras, hoje consolidada e respeitada como uma das mais importantes empresas de petróleo do mundo. Ao lado da Petrobras existem hoje no Brasil 71 empresas privadas, das quais 36 são empresas de capital nacional.

A lei adotou para a exploração o regime de contrato de concessão. Esse contrato dispõe sobre a participação do Estado no processo de exploração através do bônus de assinatura, royalties, participação especial, pagamento pela ocupação ou retenção da área. Na vigência da lei atual e através dos contratos de concessão foi alcançado notável desenvolvimento, com o aumento da prospecção e a descoberta de grandes e importantes campos de petróleo. A produção passou de cerca de 900 mil barris por dia em 1997 para mais de um milhão e oitocentos mil barris em 2007.

No momento, em que se deveria comemorar o sucesso da legislação e do modelo adotado, bem como transmitir aos agentes econômicos a garantia de que não haverá mudanças nas regras do jogo, ocorre justamente o contrário. Setores do governo falam em mudança da lei, criação de uma nova empresa 100% estatal para explorar as reservas do Pré-Sal e adoção do regime de partilha substituindo o atual regime de concessão.

Ao se abrir a discussão sobre mudanças legislativas, um clima de incerteza e insegurança vai paralisar os investimentos em prospecção e produção, desmobilizar as decisões administrativas, retardar o início das operações do Pré-Sal, com enorme perda de receita para todos.

A criação de uma nova empresa 100% estatal está ligada à mudança de lei para a adoção do critério da partilha. O argumento utilizado é que o risco da exploração das reservas do Pré-Sal é praticamente nulo e que, conseqüentemente, todo o lucro da exploração do Pré-Sal deve pertencer à União, que controlaria 100% do capital da empresa a ser criada.

O poder público pode obter pelo regime de concessão a mesma remuneração que obteria no sistema de partilha. O bônus de assinatura cuja arrecadação variou entre 322 milhões de reais em 1999 e 2 bilhões de reais em 2007 e cuja receita está sendo totalmente destinada, de forma aliás irregular, à União, será enormemente ampliado em decorrência da diminuição de risco. A participação especial hoje cobrada com isenção de até 450.000 m e progressividade de até 40% poderia ser, em relação aos novos campos, ampliada. Assim, através de decreto específico, sem necessidade de modificação na lei, criação de nova empresa, e adoção de critério de partilha, o poder público pode ter a sua participação aumentada na exploração das reservas do Pré-Sal, pela cobrança maior das empresas que viessem a explorar esse novo campo.

Por que então modificar as regras legislativas hoje existentes com a criação de uma nova empresa 100% estatal e adoção do regime de partilha? Não existe uma explicação.

O que ocorre na realidade com as mudanças anunciadas é que os lucros da Petrobrás decorrentes da exploração do Pré-Sal, mesmo depois do pagamento de uma participação especial aumentada, caberiam parcialmente, aos acionistas não controladores, ao passo que no caso de uma empresa 100% estatal caberiam integralmente ao poder público.

O capital do acionista privado que permitiu que a Petrobras se tornasse uma das maiores empresas do mundo na área da prospecção e exploração do petróleo seria assim, no momento de sucesso, completamente ignorado.

A modificação das regras legislativas hoje existentes para a adoção do princípio da partilha e para a criação de uma empresa 100% estatal para explorar o Pré-Sal tem cunho ideológico e reapresenta o restabelecimento parcial do monopólio estatal que no passado pertencia à Petrobras, o que significa um enorme retrocesso em um setor onde os resultados têm sido tão auspiciosos. Espero, pois, que esse retrocesso não venha ocorrer.

FRANCISCO DORNELLES é senador (PMDB-RJ).