Título: Fichas-sujas em ação
Autor: Bruno, Cássio; Lima, Ludmilla de
Fonte: O Globo, 17/08/2008, O País, p. 3

Liberadas pelo STF, candidaturas polêmicas mantêm antigas práticas na Baixada

Cássio Bruno e Ludmilla de Lima

Adecisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar os candidatos "fichas-sujas" para disputarem as eleições deste ano caiu como uma luva para quem responde a processos. No Rio, por exemplo, os candidatos a prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito dos Santos (PSDB), e de Magé, Núbia Cozzolino (PMDB), comemoram o fato de não terem as suas vidas pregressas levadas em conta para concorrer nas urnas. Livres para fazer campanhas nas ruas, tanto Núbia quanto Zito relembram o uso de práticas da típica política do coronelismo, com ações autoritárias em busca de votos.

- A palavra do presidente do Supremo vale mais do que a minha. Agora quem diz não é a Núbia, é o Gilmar Mendes - alega Núbia, que tenta a reeleição e chegou a ter a candidatura impugnada.

A atual prefeita responde a 29 ações de improbidade administrativa. As mais recentes são as "homenagens" feitas a integrantes do clã Cozzolino, que dão nome a escolas municipais em Magé e servem, segundo interpretação do Ministério Público, para fazer propaganda do nome de Núbia. Ela ainda é alvo de processos por nepotismo, desvio de dinheiro, fraudes em licitações, falhas na prestação de serviços essenciais e descumprimento de determinações judicais.

Zito, prefeito de Caxias entre 1997 e 2004, também está nas ruas defendendo a decisão do STF:

- O que estranho é a decisão de indeferir a minha candidatura um dia antes do julgamento do STF. Agora, o STF deu uma direção. O Supremo é o Supremo. Está acima de tudo - diz o deputado estadual.

No despacho, no último dia 6, o juiz Paulo Roberto Campos Fragoso afirma que Zito tem "perfil incompatível com o mandato e falta de condição moral para o exercício do cargo almejado". O parlamentar é réu em ação penal no Tribunal de Justiça, além de responder a 11 ações civis públicas por improbidade administrativa referentes a sua gestão como prefeito. Caxias tem 571 mil eleitores, atrás apenas da capital (4,5 milhões) e de São Gonçalo (635 mil). Magé tem 153 mil.

Truculência marca as campanhas

Sobre um palco improvisado na noite da última quarta, no bairro Jardim Primavera, Zito discursa para os moradores com a convicção de que voltará ao poder. O deputado, que concorre contra o atual prefeito, Washington Reis (PMDB) - cuja candidatura foi indeferida em primeira instância anteontem - é vigiado por policiais à paisana armados que fazem sua segurança e por assessores. O grupo monitora a movimentação do local.

- Sou sargento da PM. Estou na assessoria. Quem é você? - pergunta um dos homens de Zito ao repórter, que foi obrigado, durante o comício, a apresentar a identificação do jornal, o carro da reportagem e ainda informar o que estava fazendo.

A intimidação da "tropa" de Zito, no entanto, é discreta. Passa despercebida diante de centenas de eleitores do bairro pobre. A imagem carente da comunidade contrasta com a previsão de gastos de campanha do deputado, de R$10 milhões.

A milionária campanha tem o objetivo de tornar Zito, novamente, "O Rei da Baixada", título dado a outro político folclórico do município: o ex-deputado Tenório Cavalcanti. Ele ficou conhecido como "O homem da capa preta" e por carregar sempre uma submetralhadora apelidada de Lurdinha. Morreu aos 82 anos, em 1987.

- O que estão pondo nos jornais é para difamá-lo. Querem confundir as cabeças das pessoas - gritava o candidato a vereador Maninho do Posto.

O tom das declarações de Maninho foi seguido por outros candidatos, que, ao lado de cabos eleitorais, preparam a festa para recepcionar Zito. No palco, entre as Ruas Borges Carneiro e Atlântica, o deputado ataca a administração de Washington Reis. Zito cita as realizações de quando era prefeito e faz promessas polêmicas: - Vamos trazer a estação das barcas para Duque de Caxias pela Baía de Guanabara. É possível? Sim, é possível. Não queremos promessas vazias e mentirosas.

Nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escapa:

- Se o Lula aplicou R$380 milhões do PAC em Caxias é porque 85% dos eleitores dessa cidade votaram nele. Infelizmente, as obras não chegaram ao 2º e 3º distritos. Vamos rever os projetos. Mas a parceria continua.

Zito demonstra ressentimentos e diz que buscou orientações de tucanos de Minas Gerais e São Paulo.

No mesmo dia em que Zito estava nas ruas, um trenzinho da campanha de Núbia e seu irmão Dinho, presidente da Câmara e candidato à reeleição pelo PMDB, circulava pelas ruas de Piabetá e Fragoso com crianças e estudantes. O veículo tocava o jingle da candidata e exibia propaganda dos dois. A cena é um retrato de uma das campanhas mais polêmicas do estado. Na cidade, as regras impostas pela Justiça Eleitoral são desprezadas.

Mesmo assim, Núbia reclama da fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que mandou paralisar programas assistenciais usados como moeda:

- Tudo nosso é implicado (sic). Ninguém quer saber da outra (a ex-prefeita Narriman Zito, candidata pelo PRB). Proibiram de dar pão, dar leite, coisa que a gente faz desde 2005. Nem caixão podemos dar mais - diz.

Sua principal adversária, que é ex-mulher do político de Caxias, é atacada de todas as formas, embora quase não tenha propaganda nas ruas.

- O Ministério Público era o único adversário que eu tinha. Se eles não fizessem isso (as denúncias), eu teria 100% dos votos - gaba-se a prefeita, que, quando não está nas ruas, está em seu QG, um prédio de três andares em Fragoso.

O endereço é um misto de casa, gabinete e comitê eleitoral. Em frente, o companheiro da prefeita, que era conhecido como Ney da Núbia, foi assassinado há um mês.

A fiscalização do TRE no município recebe hoje, por dia, cerca de dez denúncias, quase todas ligadas a Núbia.

- É uma campanha problemática, com um trabalho incansável de fiscalização, que sofre resistência de todos os sentidos da prefeita - diz a juíza responsável pela fiscalização, Patrícia Salustiano.

Uma das denúncias investigadas é a de uso desenfreado da máquina municipal na campanha: coagidos pela prefeita, funcionários contratados ou com cargos de confiança, como diretores de escolas e agentes do Programa Saúde da Família (PSF), realizam reuniões políticas diárias com moradores atendidos pelos serviços.

A juíza, que anda com escolta da Polícia Federal por causa de ameaças, lembra que Núbia é avessa a notificações judiciais. Na quinta-feira, a prefeita foi intimada a retirar o trenzinho de circulação. Cabos eleitorais de Narriman, freqüentemente impedidos de fazer campanha por claques da adversária, também usam escolta, da PM.

- Eu corro risco. Eu vejo isso pelos ataques e pelo que aconteceu. Mataram a minha vice - lembra Narriman, cuja vice-prefeita, Lídia Menezes, foi morta em 2002.

O medo ronda até os servidores concursados da prefeitura. Duas professoras de História da Escola Municipal Aureliano Ribeiro, em Piabetá, foram transferidas em maio como retaliação às lições sobre coronelismo e a República Velha.

-- Um dos alunos da 8ª série era filho de uma amiga da prefeita e comentou com a mãe o que estava aprendendo. Logo depois, a diretora pediu minha transferência. Só dei a matéria do livro. Não tenho culpa se Núbia age dessa maneira -- conta Idinéia Soares Ferreira, a professora.(Colaborou Priscila Keller)