Título: Nepotismo vetado na vida pública
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 21/08/2008, O País, p. 3

STF proíbe contratar parentes de autoridades também no Legislativo e no Executivo

Carolina Brígido

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu ontem ao Legislativo e ao Executivo a proibição da prática do nepotismo, vetada no Poder Judiciário há três anos. Com isso, não será permitida a contratação de parentes de autoridades para cargos de confiança em toda a administração pública. Quem está nessa situação deverá ser demitido, em último caso por meio de ação na Justiça. A regra vale para órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, e para Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas e Congresso Nacional.

A medida será oficializada hoje, quando o STF votará uma súmula vinculante sobre o assunto. Os ministros decidiram que a nova regra não vale para cargos de natureza política, como secretários municipais e estaduais ou ministros. Ainda será decidido se a ressalva estará no texto.

Uma súmula obriga todos os órgãos do país a seguir a orientação do STF. A partir da edição da norma, não será mais possível apresentar recursos à Corte sobre o tema. Os ministros vão decidir hoje qual a extensão do veto ao nepotismo. A tendência é que a prática seja proibida para parentes até terceiro grau, o que inclui pais, filhos, cônjuges, tios, primos e cunhados.

Ontem, antes da decisão, os ministros do STF julgaram duas ações sobre nepotismo. A primeira, proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), pedia que a Corte declarasse constitucional uma resolução baixada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2005, proibindo a prática no Judiciário. Em 2006, a Corte já dera liminar pela legalidade da resolução. Ontem, a decisão foi confirmada.

A AMB propôs a ação porque muitos funcionários estavam conseguindo liminares nos tribunais do país para garantir a permanência no cargo, mesmo sendo parentes da autoridade à qual estavam submetidas. Alegava-se que o CNJ não tinha competência para disciplinar um assunto não expresso em lei. Durante a discussão, os ministros do STF ressaltaram que os princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade, da eficiência administrativa e da igualdade falam mais alto que leis. Para a Corte, o nepotismo é afronta a esses princípios.

A posição foi unânime. Dos 11 ministros, só estavam ausentes Ellen Gracie e Joaquim Barbosa.

- Esses princípios têm uma eficácia própria, e podem ser diretamente aplicados, independentemente da existência de uma lei formal - disse Carlos Alberto Direito.

- Não precisaria ter leis, bastaria ter decência no espaço público - completou Cármen Lúcia Rocha.

- Quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de praticar o nepotismo. Trata-se de gesto ilegítimo de patrimonialização do Estado - disse Celso de Mello.

Grau de parentesco e troca de favores

Na segunda parte da sessão, os ministros julgaram uma ação em que o Ministério Público do Rio Grande do Norte questionava a contratação do irmão do vice-prefeito de Água Nova como motorista de seu gabinete. Também foi analisada a situação do irmão de um vereador da mesma cidade potiguar, nomeado secretário de Saúde.

O Ministério Público recorreu ao STF porque o Tribunal de Justiça do estado manteve os parentes nos empregos, sob a alegação de que não havia lei proibindo o nepotismo - e, portanto, a prática estaria liberada. Novamente, os integrantes da Corte ressaltaram que os princípios constitucionais valem mais do que leis.

- Violar um princípio é muito mais grave que violar uma lei qualquer - disse Ricardo Lewandowski.

Os ministros determinaram a demissão do motorista, porque o nepotismo estava claro: foi contratado pelo irmão para trabalhar com ele. Em relação ao secretário, concluiu-se que a irregularidade não ficou caracterizada, já que a contratação foi feita pelo Executivo, e o parente é do Legislativo.

Ao fim da sessão, Lewandowski, relator da segunda ação, sugeriu que o tribunal editasse a súmula. Os ministros não chegaram a uma conclusão sobre o texto final. Hoje, além da definição do grau de parentesco para a proibição do nepotismo, será decidido também sobre nepotismo cruzado. A prática acontece quando um agente público de um poder pede a um agente de outro poder para nomear um parente em troca do mesmo favor.

O STF, Gilmar Mendes, disse acreditar que as demissões de funcionários em situação irregular no Judiciário já foram realizadas:

- Eu não tenho notícia de descumprimento flagrante da decisão do Supremo já na cautelar. Não tenho expectativa de que haverá resistência nessa matéria. O tribunal reafirma o princípio da moralidade ao repudiar claramente o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário.