Título: Setor privado reage à desapropriação no pré-sal
Autor: Ordoñez, Ramona; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 24/08/2008, Economia, p. 37

Para empresários, alternativa é retrocesso e pode afastar investidores. Divulgação de proposta causa desconforto no Planalto

Ramona Ordoñez e Gerson Camarotti

RIO e BRASÍLIA. Um alto executivo de uma petrolífera multinacional que atua no Brasil disse estar pasmo com a notícia publicada ontem no GLOBO de que o governo estaria estudando desapropriar os campos já licitados nas áreas em que, depois, descobriu-se petróleo na camada do pré-sal. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, revelou que o conselho interministerial chegou a discutir a possível desapropriação dos campos ligados a áreas da União, com indenização das empresas estrangeiras. No núcleo do Palácio do Planalto, causou surpresa e desconforto a divulgação da proposta pelo GLOBO. Para o governo, o tema não deveria ter chegado à imprensa. Teme-se a reação do mercado financeiro.

O presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), João Carlos França de Luca, disse que tal idéia é totalmente contrária ao que o governo prometeu até o momento. Ele ressaltou que a própria decisão do Conselho Nacional de Política Econômica (CNPE) de novembro de 2007, que retirou os blocos do pré-sal dos leilões, garantia que os contratos em vigor seriam respeitados.

¿ A desapropriação é inaplicável neste momento que o país vive depois de obter o grau de investimento. Isso vai contra a credibilidade conquistada pelo Brasil com o esforço do presidente Lula. A segurança jurídica ficaria comprometida ¿ afirmou De Luca.

O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, disse apenas que a companhia apresenta suas posições no âmbito do conselho interministerial. O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, também não quis comentar o assunto.

Modelo ficaria semelhante aos de Venezuela e México

Para o especialista Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), se o Brasil realmente adotar essa medida, vai afastar investidores, tanto no petróleo como em outros setores da economia:

¿ Se o governo fizer isso, será um retrocesso sem tamanho. O Brasil estará adotando o modelo da Venezuela de partilha, onde o Estado é majoritário nos projetos de exploração de petróleo, e não o norueguês, como falaram antes.

Segundo Pires, se além da desapropriação o governo criar uma estatal para administrar o pré-sal, o modelo brasileiro também ficará parecido com o do México, onde há um monopólio e as empresas apenas prestam serviços. Ele teme que, mesmo que inicialmente empresas como Exxon, Shell, Repsol e BG não saiam do país, certamente reduzirão seus investimentos. Foi o que ocorreu no México.

Pires disse que as reservas de petróleo mexicanas estão caindo e, hoje, só bastam para dez anos de consumo. O país importa cerca de 40% do combustível que consome, pois faltam investimentos em refinarias. O Congresso mexicano está discutindo a flexibilização do setor, mas tem encontrado forte oposição.

Ontem, ministros que participam do conselho interministerial telefonaram para Lobão. Diante da repercussão, o ministro adotou um tom mais cauteloso. Voltou a dizer que a desapropriação é uma das propostas em estudo e que não haverá quebra de contrato.

¿ O país não tem interesse em quebrar contrato. Estamos estudando modelos de todos países e opções para administrar o pré-sal. Quando tivermos a conclusão, vamos submeter ao presidente, que dará a palavra final.

Para tranqüilizar o mercado financeiro, Lobão disse que qualquer decisão será amadurecida e, se houver necessidade de mudança na legislação, ¿haverá longo debate no Congresso¿.

Do Planalto, a determinação é evitar debate público sobre propostas em estudo.