Título: Governador de Roraima diz esperar distúrbios com qualquer resultado
Autor: Carvalho, Jailton de; Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 28/08/2008, O País, p. 4

Anchieta disfarça irritação com voto de relator pela demarcação contínua

Jailton de Carvalho e Carolina Brígido

BRASÍLIA. O governador de Roraima, José Anchieta (PSDB), afirmou ontem que, qualquer que seja o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o modelo de demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, poderá haver distúrbios na região. Para o governador, há forte tensão entre os partidários da demarcação contínua ou em ilhas, principalmente na vila Surumu. Ele entende que nenhum dos dois lados aceitará de bom grado uma derrota. Boa parte dos índios quer a manutenção da demarcação contínua:

- No momento de emoção, pode ser que alguém que se sinta prejudicado possa fazê-lo (distúrbio) - disse Anchieta.

O governador afirmou, no entanto, que o papel do estado é garantir o cumprimento das determinações do Supremo e manter a ordem na região. Não será uma tarefa fácil. O próprio governador não conseguiu esconder a irritação com o voto do ministro-relator, Carlos Ayres Britto, favorável à demarcação contínua. Para Anchieta, o voto teve um viés ideológico.

- Não vou emitir opinião. O julgamento apenas começou - disse o governador, pouco depois de sair do plenário.

O prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, líder dos arrozeiros da região, também se irritou com o voto. O fazendeiro disse que Britto foi muito duro nas críticas ao seu grupo, que ocupa trechos da Raposa Serra do Sol. Para o ministro, toda a área da reserva pertence aos índios. Por isso, os não-índios, entre eles os arrozeiros, devem deixar a reserva.

- Eu até me dou por satisfeito por não ter saído de lá preso - ironizou Quartiero.

Momentos depois das declarações do fazendeiro, a advogada Joênia Batista de Carvalho, encarregada da defesa dos índios, disse que o clima há muito tempo é de confronto em algumas aldeias. Segundo ela, aliados dos arrozeiros estariam se movimentando para provocar confusão entre índios e não-índios na região.

- As provocações já começaram. Já estão soltando rojões lá em Surumu. Acabaram de me avisar isso. Mas não vamos aceitar as provocações - disse Joênia.

Marina teme precedente para invasões de terra

A senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, também está preocupada com a tensão entre índios e não-índios.

- Já há uma situação de tensão. Já houve agressões de alguns fazendeiros, que fizeram milícias armadas para atacar alguns índios - disse ela.

Marina também defendeu que a demarcação em ilhas pode gerar uma expectativa nos não-indígenas e abrir precedentes para "a invasão das terras quando são identificadas como indígenas, e isso é muito negativo". O advogado dos produtores de arroz, Luiz Valdemar Aldebrach, disse que vai analisar os detalhes jurídicos do voto de Ayres Britto e, a partir daí, tentar "virar o jogo".

O advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, disse que o governo manterá a Polícia Federal em áreas estratégicas pelo tempo que for necessário para evitar confrontos entre índios e não-índios.