Título: A queda de Hypólito
Autor: Buarque, Cristovam
Fonte: O Globo, 30/08/2008, Opinião, p. 7

Aqueda do Muro de Berlim tornou-se o símbolo do fim do império soviético. Apesar das grandes alterações científicas, tecnológicas e sociais, que ao longo de 70 anos transformaram o Leste da Europa em uma potência, ali estava, em ruínas, o fim do sonho e da utopia socialista, pelo menos na forma então proposta.

Vinte anos depois, o mundo ainda não se recuperou daquela queda: caminha para o aquecimento global e para o aumento da desigualdade, sem que surjam novos sonhos e novas utopias. O conceito de Educacionismo ainda é somente uma hipótese.

Em 17 de agosto, o mundo inteiro assistiu à queda de Diego Hypólito no final da sua prova de ginástica masculina, nas Olimpíadas de Pequim. Diego foi e continua sendo um orgulho nacional, principalmente por causa do patriotismo que demonstrou, quando chorou pela perda do Brasil, não só por sua queda.

Todos nós choramos, mas não conseguimos transformar a queda de um ginasta em metáfora do fracasso sistemático do Brasil em Jogos Olímpicos. Aquela não foi apenas a queda de um ginasta, por fatalidade, depois de ele ter feito tudo perfeito; foi o fracasso de um país que tem uma população e um potencial econômico imensos, mas não consegue se colocar entre os campeões olímpicos. Faltou entendermos o que é preciso fazer para corrigir essa deficiência.

O atleta é um mágico com seu corpo, mas sua formação nada tem de magia. Ela é o resultado de um árduo e cuidadoso trabalho, feito por muitos, principalmente por seu país. A queda de Hypólito começou há pelo menos 20 anos.

Se a URSS tivesse tomado certos cuidados e ajustado seus rumos décadas antes, com medidas de liberalização e preservação da natureza, é possível que a queda do Muro não tivesse acontecido, e que um novo modelo de desenvolvimento sustentável tivesse sido vitorioso, servindo como exemplo para o mundo. O mesmo teria acontecido com o Brasil se, há 20 anos, tivéssemos tomado medidas que nos tornassem uma potência nos esportes olímpicos, como fizeram Espanha, Coréia do Sul, Itália, países com poder econômico próximo do nosso e população muito menor.

Se o Brasil tivesse desenvolvido todo o potencial das crianças nascidas há 20 anos, hoje o número de grandes atletas e seu desempenho seria equivalente ao dos países que investiram seriamente no esporte.

A queda de Diego Hypólito foi uma fatalidade individual ao final de uma apresentação, não o fracasso de um atleta genial, capaz de realizar com brilhantismo tantas difíceis séries da ginástica de solo. Foi um fracasso previsível para o Brasil, que tem tão poucos Hypólitos e viu desaparecer uma das raras possibilidades de medalha. E foi um fracasso para todos nós, que fechamos os olhos para o esporte olímpico, já que desperdiçamos os talentos nacionais de milhões de meninos e meninas abandonados, sem apoio, sem treinadores, sem alimentação, que nem sequer consideram a possibilidade de disputar uma medalha.

Faltou o berço do esporte olímpico: a escola funcionando em horário integral, com quadras esportivas, olimpíadas colegiais, professores de educação física, olheiros para identificar os mais talentosos, dar-lhes bolsas e acompanhamento.

Em Pequim, não foi Diego que caiu, foi a concepção brasileira de futuro.

A queda em Berlim derrubou uma utopia que vai demorar décadas para encontrar uma alternativa ideológica. Mas a queda em Pequim pode ser recuperada rapidamente, se houver vontade dos governos e da sociedade brasileira.

A garantia da criação de uma Carreira Nacional do Magistério, conforme o projeto de lei 320 de 2008, em discussão no Senado, e a implantação de escolas de qualidade, atendendo todos os nossos 60 milhões de crianças e adolescentes, em horário integral, com todos os mais modernos equipamentos necessários, nos darão a chance de identificar e desenvolver o talento de muitos Diegos, não apenas alguns. Assim faríamos com outros esportes o que já fazemos com o futebol, que os brasileiros começam a praticar antes dos quatro anos, com uma bola igualmente redonda para todos.

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).