Título: Cai a direção da Abin
Autor: Vasconcelos, Adriana; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 02/09/2008, O País, p. 03

Depois de um dia inteiro de reuniões no Palácio do Planalto e sob pesadas cobranças dos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, e do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ontem à noite o afastamento temporário do diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda, do diretor-geral adjunto, José Milton Campanha, e do diretor do Departamento de Contra-Espionagem, Paulo Maurício. Lula determinou ainda abertura de inquérito na Polícia Federal para apurar a suspeita de que a Abin grampeou os telefones de Gilmar Mendes.

A crise mobilizou o Planalto desde cedo, e Lula cancelou todos os compromissos de agenda. De manhã, recebeu no Planalto Gilmar Mendes, o vice-presidente do STF, Cézar Peluso, e o ministro do STF Carlos Ayres Britto. A reunião foi tensa. Gilmar disse que não aceitaria que o Executivo apenas anunciasse uma investigação formal do caso. Exigiu medidas mais duras.

Em seguida, Garibaldi e dois senadores, Demóstenes Torres (DEM-GO) e Tião Viana (PT-AC), ambos citados pela revista "Veja" como alvos de escutas telefônicas, também foram recebidos e cobraram uma resposta do Planalto para o caso.

- O presidente Lula admitiu que o caso é extremamente grave e prometeu que tomaria providências severas para tranqüilizar a nação - antecipou Garibaldi, à tarde.

- Lula tem de tomar uma decisão dura contra a Abin. Alguém tem de cair. Seja o ministro Tarso Genro, o general Jorge Félix, o Paulo Lacerda ou agentes da Abin. Esse descontrole não é recente - cobrou Demóstenes.

Em uma terceira reunião, desta vez com a coordenação política do governo, Lula decidiu pelo afastamento. Em nota, a Secretaria de Comunicação confirmou a decisão e informou que o inquérito na PF foi aberto a pedido do general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, a quem a Abin está vinculada.

Daniel Dantas será um dos investigados

Segundo a nota, Lula vai pedir ao Congresso que aprove o mais rapidamente possível o projeto do Executivo que regula os grampos para investigação policial. Ele determinou ao Ministério da Justiça que apresse a elaboração, junto com o STF, de projeto que agrava a responsabilidade administrativa e penal de agentes públicos que cometam abuso de autoridade.

Na reunião com senadores, o general Félix adiantou que o governo já tem linhas de investigação sobre o suposto grampo no STF. Segundo revelaram participantes da reunião, ele disse que será investigado um sistema de escuta interno do Senado e ainda o suposto envolvimento do banqueiro Daniel Dantas. O banqueiro foi preso recentemente numa operação da PF sob suspeita de desvio de verbas públicas e crimes financeiros. O advogado de Dantas, Nélio Machado, reagiu à acusação, e classificou de nefasta a atuação de Lacerda à frente da Abin.

- Este tipo de acusação é um absurdo - disse o advogado.

Cauteloso, Lula limitou-se a concordar que a situação é grave e exige providências imediatas, para evitar uma crise institucional. Ele preferiu não defender ninguém, mas demonstrou preocupação em não condenar antecipadamente qualquer pessoa.

A audiência com os senadores foi acompanhada pelo ministro das Relações Institucionais, José Múcio. O vice-presidente José Alencar e o ministro da Justiça, Tarso Genro, só participaram do fim da reunião. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, também participou das discussões. Antes da reunião no Planalto, Garibaldi discutiu pelo telefone com Gilmar uma ação articulada de Legislativo e Judiciário na cobrança de providências ao governo para coibir o que classificaram de descontrole sobre as atividades de inteligência.