Título: Dividido, BC eleva juros em 0,75 ponto de novo
Autor: Duarte, Patrícia; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 11/09/2008, Economia, p. 33

PIBÃO NA CRISE: Divergência faz economistas preverem aumentos menores já a partir da próxima reunião

Cinco diretores da instituição votaram pela alta, mas três preferiam acréscimo de 0,5 ponto. Selic passa a ser de 13,75%

Patrícia Duarte, Gerson Camarotti e Bruno Villas Bôas

BRASÍLIA, RIO, SÃO PAULO e MANAUS. O crescimento econômico mais forte no país, de 6,1% no segundo trimestre, pavimentou de vez o caminho para que o Comitê de Política Monetária (Copom) elevasse ontem a taxa básica de juros, a Selic, de 13% para 13,75% ao ano. É a segunda puxada seguida dessa magnitude, mas o placar apertado pegou o mercado de surpresa: foram cinco votos a favor e três por uma elevação de 0,5 ponto.

Para analistas, trata-se de um sinal negativo por duas questões: o Banco Central (BC) indicou que poderia ter errado na sua avaliação anterior - em julho, quando acelerou a alta dos juros de 0,5 para 0,75 ponto - e veio rachado ontem, num momento em que voltou a ser alvo de muita pressão no próprio governo para desacelerar o aperto monetário.

A última vez que o Copom teve uma decisão sem consenso foi em julho de 2007, quando quatro diretores votaram pela redução da Selic de 12% para 11,50%, e três queriam um corte de 0,25 ponto. Com a decisão de ontem, tirada em uma reunião que durou 3 horas e 11 minutos, uma das mais longas dos últimos anos, o Copom vai corroborar as avaliações mais gerais de que, na próxima reunião (outubro), o aumento deverá ser de 0,5 ponto.

- O BC está sinalizando um aumento de 0,5 ponto porque está vendo um cenário de risco menor - afirmou a economista-chefe do ING, Zeina Latif.

Para o economista Cristiano Souza, do Banco Real, a queda do preços da commodities e a redução na expectativa de inflação para o próximo ano são fatores que podem ter influenciado a decisão de parte da diretoria:

- Mas vale frisar que eles ainda prevêem um mercado aquecido em 2009, já que a divisão foi por alta de 0,5 ponto.

Joaquim Elói Cirne de Toledo, professor da USP, vai mais longe e diz que, na próxima reunião, o Copom pode até optar por aumentar a taxa em 0,25 ponto.

O BC tem deixado claro que seu objetivo é trazer as expectativas de inflação de 2009 para mais perto do centro da meta, de 4,5% pelo IPCA. Hoje, elas estão em 5%. A menor pressão sobre a inflação, vinda sobretudo da redução dos preços de commodities e alimentos, indica que o cenário pode estar mais favorável. O IPCA de agosto ficou em 0,28%, abaixo do 0,53% de julho.

O descompasso entre oferta e demanda, que sempre foi a preocupação maior do BC, ficou mais evidente com os novos dados sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e, para alguns analistas, expôs os riscos que ainda existem sobre a inflação. No mercado, existe a preocupação com o dólar também, que entrou numa rota de valorização. Os especialistas, de modo geral, acreditam que a moeda não voltará a ficar abaixo de R$1,70 a curto prazo. Com isso, as importações poderão ficar mais caras e, assim, pressionar a inflação.

- Não se sabe ainda até onde vai a queda das commodities, mas a expectativa é que o refresco em termos de inflação não seja tão grande. Já o câmbio pode pressionar o índice no fim do ano, época de muito consumo e de renovação dos estoques - previu o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

Lula: "É sempre chato aumentar os juros"

A decisão foi avaliada ontem pelo Palácio do Planalto como extremamente conservadora. Segundo políticos, o presidente Lula chegou a questionar nos últimos dias o presidente do BC, Henrique Meirelles, sobre o motivo de não começar a reduzir a alta para 0,5 ponto. Influenciado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, Lula disse que gostaria que o Copom levasse em conta a deflação de 0,38% do IGP-DI em agosto. Esse novo embate mostra mais uma vez a queda-de-braço entre Fazenda e o BC.

Ontem, na abertura da Feira Internacional do Amazonas, em Manaus, o presidente Lula comentou a alta da Selic:

- É sempre chato aumentar os juros, como é chato quando você está com uma família no carro, vem uma curva e a gente tem de diminuir a velocidade.

A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) classificou a alta de "burrice", por ameaçar o ritmo da economia. Para a Força Sindical, a decisão foi "inoportuna e inconveniente". Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou que um corte dos gastos públicos poderia reduzir a pressão sobre a demanda.

COLABORARAM Aguinaldo Novo e Chico de Gois

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