Título: Política social como política de Estado
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 01/11/2009, Opinião, p. 7

OBrasil, um dos últimos países a sentir o impacto da crise global, está sendo um dos primeiros a superá-la. Não apenas pela solidez de seus indicadores macroeconômicos, mas também pelos acertos do governo Lula no combate à crise. Até a oposição admite que ele soube afastar o pânico inicial, adotou rapidamente as medidas para recuperar a atividade econômica e mitigou os efeitos da queda no nível de emprego e renda.

Depois de trilhar, por cinco anos, o caminho do crescimento com distribuição de renda, o país conseguiu manter nos últimos meses as condições de melhoria na qualidade de vida da população, graças, sobretudo, a um conjunto de programas e políticas sociais. Diante de sua relevância incontestável, o governo quer agora promover uma consolidação das leis sociais.

Para entender essa decisão, basta observar alguns dados recentes. No ano passado, atingiu-se o auge desse período de avanços sociais, registrando-se o recorde na criação de empregos formais, a queda na taxa de desocupação para o nível mais baixo desde 2003, o aumento no rendimento médio dos assalariados e a continuidade na redução das desigualdades regionais, sociais e de renda do trabalho.

Antes da turbulência do último trimestre de 2008, a taxa de desemprego chegou a 7,1% (a menor desde 2001) e foram criados mais de 2,1 milhões de empregos formais. Também cresceu o nível médio de renda de todos os grupos sociais, com maiores ganhos para os mais pobres. De 2007 para 2008, o crescimento médio real mensal dos 10% com menor rendimento foi de 4,3%, enquanto o dos 10% com rendimento mais elevado foi de 0,3%.

Mesmo depois da contaminação da economia brasileira pela crise global, manteve-se a trajetória de queda da pobreza nas seis principais regiões metropolitanas do país. Entre janeiro e junho de 2009, o índice Gini, que mede o nível de concentração de renda, caiu 4,1% nessas regiões, a maior queda desde 2002.

Nos últimos dois meses, refletindo a retomada do crescimento, o mercado de trabalho voltou a se expandir. Em agosto, foram gerados mais de 242 mil empregos, o melhor resultado para o mês no Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged). Em setembro, foram criados 252,6 mil novos empregos, o melhor resultado deste ano. Apesar do efeito da crise no primeiro semestre, já se prevê mais de 1 milhão de empregos formais em 2009.

As condições favoráveis do mercado doméstico, a adoção de medidas anticíclicas - como as desonerações fiscais, a redução na taxa de juros e a expansão do crédito - e a ampliação da rede de proteção social foram decisivas para a rápida recuperação do nível de produção e emprego e para que as desigualdades sociais continuassem a cair, embora de forma menos intensa.

Quando o país atravessou outras conjunturas semelhantes, as condições sociais se deterioraram e a pobreza aumentou dramaticamente. Até nos momentos de maior crescimento do PIB não houve redução substancial das desigualdades sociais. Em algumas ocasiões, o crescimento acelerado foi, ao contrário, acompanhado pela concentração da riqueza e da renda.

Desta vez, o compromisso com a distribuição de renda implicou o recurso a políticas públicas, como a do salário mínimo, e à expansão de programas, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Eles foram necessários tanto para manter a qualidade de vida da população como para recompor o nível de atividade econômica, que até setembro de 2008 crescia num ritmo que não se via há pelo menos duas décadas.

No momento em que não há mais dúvida quanto à superação da crise e à retomada sustentada do crescimento, nada melhor do que reafirmar o papel da inclusão social como um dos eixos do desenvolvimento brasileiro, mas sem negligenciar seu impacto fiscal, o controle rigoroso do gasto público e a continuidade da queda nas taxas de juros.

É hora, enfim, de dar os primeiros passos para consolidar nossas leis sociais e elevá-las, de maneira segura, à condição de políticas de Estado.

ALOIZIO MERCADANTE é líder do PT no Senado e vice-presidente do Parlamento do Mercosul.

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