Título: Visitante controverso
Autor: Weber, Demétrio; Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 22/11/2009, O Mundo, p. 38

Reunião de Ahmadinejad com Lula amanhã provoca reações que vão da cautela à indignação

Avinda ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, divide opiniões de políticos, especialistas e empresários.

O líder que nega o Holocausto e defende abertamente a destruição de Israel desembarca amanhã em Brasília para uma visita de um dia.

Sua agenda será política e econômica.

Além de encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), Ahmadinejad virá acompanhado de 200 empresários.

Para Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), estreitar laços com Ahmadinejad é legitimar seu governo: ¿ O presidente iraniano está se tornando um pária internacional. O Irã vai na mesma direção da Coreia do Norte: são países que ou praticam genocídio ou são totalitários ou desrespeitam direitos humanos, perseguem a oposição e fraudam eleições. O Brasil não tem por que se aproximar de um país com essas características.

Já o historiador da UnB Anderson Batista de Melo vê na visita uma chance para o Brasil exercitar sua crescente liderança como mediador: ¿ Muito do que acontece nessa relação de Lula com Ahmadinejad tem a ver com nossos interesses no Conselho de Segurança da ONU.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), defende a decisão do governo de receber Ahmadinejad, mas diz que é hora de explicitar a posição contrária ao uso da energia nuclear para fins bélicos: ¿ O Brasil tem uma tradição de receber dirigentes de todos os países.

Mas essa visita vem num momento delicado, porque ocorre pouco depois da negativa do Holocausto. Isso vai contra a visão atual de civilização.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que não se deve demonizar o visitante. Embora considere descabida a negação do Holocausto, ele vê aspectos positivos na postura de Ahmadinejad frente ao ¿poder imperial dos EUA¿: ¿ Não pode o clube nuclear determinar que outros países não possam desenvolver (essa tecnologia). Evidente que entendo que nenhum país deve desenvolver energia nuclear para fins de guerra. Mas a cobrança é hipócrita quando feita por quem já tem arsenal nuclear.

Protestos a partir de hoje no Rio

O embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, rebate as críticas a seu país: ¿ A maioria da população brasileira estará contente com a visita. O Irã é o país mais democrático do Oriente Médio.

Representantes da comunidade judaica dizem que o presidente Lula deveria se opor publicamente às posições do iraniano.

¿ Lula não pode avalizar um regime sanguinário. Claro que tem que ter relação institucional, comercial, mas não precisa receber o presidente do Irã ¿ avalia o vice-presidente-executivo da Federação Israelita do Brasil, Ricardo Berkiensztat, que diz que a comunidade judaica fará protestos hoje e amanhã em várias cidades.

No Rio, o Hillel, grupo que trabalha com temas relacionados à identidade judaica e aos direitos humanos, faz hoje manifestação na Praia de Ipanema.

¿ A passeata se transforma gradualmente numa passeata contra a negação do Holocausto, incorporando grupos das mais diversas minorias, como ciganos, negros e homossexuais ¿ disse Michel Gherman, do Hillel.

Na mesma linha, o presidente do Congresso Judaico Latino-Americano, Jack Terpins, cobrou do governo brasileiro uma posição: ¿ Repudiamos a visita de um homem que está pedindo a destruição de um país, que nega o Holocausto, que persegue homossexuais, que manda matar as pessoas.

Representante da comunidade Bahai no Brasil, Flávio Rassekh também critica: ¿ O que queremos é que o governo brasileiro questione o presidente iraniano.

Não podemos compactuar com a execução de crianças ou com as perseguições por motivos religiosos ¿ disse ele, lembrando que o Irã proíbe a aposentadoria de bahais.