Título: Justiça bloqueia transação milionária de terreno no Rio
Autor: Otavio, Chico; Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 06/12/2009, O País, p. 10

Propriedade foi comprada por servidores da Receita Federal com dinheiro suspeito e o voto decisivo do desembargador Roberto Wider

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em liminar concedida na sexta-feira, bloqueou uma transação imobiliária suspeita que favoreceria o auditor fiscal Vanildo Pereira da Silva e a analista tributária Mirian Affonso Martins, servidores da Receita Federal investigados por lavagem de dinheiro. O casal queria registrar um terreno de 377 mil metros quadrados na Barra da Tijuca comprado por R$ 10 milhões ¿ dinheiro de origem duvidosa, segundo os investigadores.

Para lavrar a escritura, eles chegaram a obter, com o voto decisivo do desembargador Roberto Wider, corregedor licenciado do TJ, o aval do Conselho da Magistratura. No entanto, liminar concedida por outro desembargador, Nametala Jorge, em mandado de segurança proposto pelo Ministério Público, mandou sustar a operação.

Com renda mensal inferior a R$ 30 mil mensais, o casal acumulou, somente em transações imobiliárias ocorridas nos últimos oito anos, um patrimônio estimado em pelo menos R$ 16 milhões (o valor é baseado em pesquisa nos cartórios do município). A riqueza do casal ¿ ele lotado na Delegacia de Administração Tributária e ela, na Delegacia de Fiscalização do Rio ¿ levou a corregedoria da Receita Federal a instaurar sindicância contra o casal.

A medida provocou também a abertura de um inquérito na Polícia Federal. Em busca e apreensão no apartamento de Vanildo e Miriam, há três anos, os agentes se surpreenderam ao encontrar cerca de dez aparelhos de TV de plasma, inclusive no banheiro do imóvel, que ocupa um andar inteiro em Ipanema.

Suspeita de firma fantasma

Informações disponíveis no banco de dados da Justiça Federal revelam que o auditor fiscal e a analista tributária respondem por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, concussão, crime tributário e crime praticado contra a administração pública. Eles teriam usado uma empresa fantasma, a Silper do Brasil Ltda, com sede em Rio Bonito, Norte Fluminense, para ¿esquentar¿ o patrimônio de origem duvidosa.

Vanildo se encontra licenciado, enquanto Mirian está na ativa.

A suposta compra do terreno de 377 mil metros quadrados na Barra da Tijuca sugere outra tentativa de lavagem de dinheiro. O caso começou em maio de 2006, quando o 4oTabelionato de Notas lavrou a promessa de compra e venda de área supostamente pertencente ao espólio do comendador Antônio de Souza Ribeiro, representado por José Ferreira Lessa, para a empresa Elmway Participações, esta representada pelo contador Fernando Coelho de Almeida. Na ocasião, além de Fernando, o outro sócio da empresa era a Elmway Investments Limited, com sede nas Ilhas Virgens Britânica (conhecido paraíso fiscal), que trouxe do exterior R$ 3,4 milhões para integralizar o capital.

Dois meses depois, o contador repassou a sua participação na empresa ¿ cotas avaliadas em R$ 1 mil, embora a Elmway tivesse acabado de investir R$ 10 milhões no imóvel ¿ para Vanildo Pereira da Silva (Mirian entrou na sociedade mais tarde). Mas, quando a firma do fiscal tentou registrar o negócio no 9oRegistro Geral de Imóvel, o tabelião Adilson Alves Mendes se negou a fazêlo, alegando que o título ¿padecia de legitimidade¿. Entre outros fatos, Adilson constatou que parte da área já estava registrada em nome de outros proprietários. Ele sabia que, há mais de duas décadas, eram feitas tentativas de registro do mesmo terreno.

Com a dúvida levantada pelo tabelião, a questão foi levada ao Juizado de Registros Públicos, que confirmou a decisão.

Na ocasião, perícia constatou que a área declarada era maior do que o terreno existente no endereço fornecido, na Avenida das Américas.

Mesmo assim, a Elmway recorreu ao Conselho da Magistratura.

Embora o relator da apelação, desembargador Antônio Eduardo Duarte, tivesse votado contra o registro, avalizando a decisão de primeiro grau, Roberto Wider, após pedir vista, convenceu a maioria a acolher a apelação. ¿O contrato de promessa foi celebrado de forma irretratável e irrevogável, tendo sido apresentado pela apelante com a íntegra dos termos do alvará judicial de alienação, contendo o histórico do imóvel objeto do negócio jurídico¿, alegou Wider em seu voto.

No mandado de segurança com pedido de liminar enviado à Justiça, o Ministério Público estadual diz que ¿causou grande surpresa o acórdão prolatado pelo Conselho de Magistratura a partir do voto do desembargador Roberto Wider¿. Em sua decisão, o relator do caso, desembargador Nametala Jorge, alegou que a realização do registro do contrato poderá ¿causar lesão a outros proprietários, terceiro, que sequer participaram do procedimento administrativo em debate¿.

A Elmway não existe no endereço fornecido à Justiça. O que funciona na Avenida Rio Branco 20, terceiro andar, é o escritório do contador Fernando Coelho de Almeida, que disse ter tentado, e não conseguido, contatar o verdadeiro dono da firma, ¿doutor Vanildo¿.

Além de não existir, a Elmway também não recolheu o ITBI, imposto municipal previsto na transação, razão pela qual deverá ser alvo de procedimento no âmbito na Secretaria Municipal de Fazenda.