Título: Fim da censura, após 140 dias
Autor: Oliveira, Germano
Fonte: O Globo, 19/12/2009, O País, p. 3

Filho de Sarney desiste de ação que impedia jornal de publicar denúncias contra ele

SÃO PAULO

Depois de impor uma censura ao jornal ¿O Estado de S.

Paulo¿ por 140 dias e sob forte pressão dos principais organismos de defesa da liberdade de imprensa do Brasil e do exterior, o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), comunicou ontem à Associação Nacional dos Jornais (ANJ) que desistiu da ação que movia contra o jornal. Desde 31 de julho, o ¿Estado¿ estava proibido pela Justiça de divulgar qualquer denúncia contra Fernando Sarney com base nas investigações da Operação Boi Barrica, desencadeada pela Polícia Federal.

A PF investiga uma série de ilegalidades em movimentações financeiras supostamente cometidas por empresas da família Sarney durante a campanha eleitoral de 2006 no Maranhão.

O empresário foi indiciado pela PF no último dia 15 de julho por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.

O filho do presidente do Senado nega as acusações.

A censura ao jornal paulista fora determinada pelo desembargador Dácio Vieira, do TJ do Distrito Federal, que tem laços de amizade com a família Sarney, a pedido de Fernando.

A medida da Justiça provocou protestos de órgãos de defesa da liberdade de expressão.

No início da noite, o diretor de Conteúdo do ¿Estado de S. Paulo¿, Ricardo Gandour, disse que o Grupo Estado recebeu o protocolo do pedido de desistência da ação de Fernando Sarney feito junto à Justiça do Distrito Federal, mas que o jornal aguardará a formalização da extinção da ação pela Justiça. Como o Poder Judiciário está em recesso, o jornal somente poderá ser comunicado oficialmente da desistência da ação no próximo dia 7 de janeiro, quando os trabalhos na Justiça voltam.

Até lá, o jornal decidirá se aguarda a sentença extinguindo a ação ou não para dar início à publicação das reportagens com denúncias sobre Fernando Sarney.

¿ Estranhamos o fato de ele ter ingressado com a desistência às vésperas do recesso da Justiça, iniciado na noite desta sexta-feira. Nós obedecemos a uma decisão judicial e não a uma intenção de uma das partes.

Por isso, nossos advogados continuarão aguardando a reversão da decisão judicial, extinguindo definitivamente a ação ¿ disse Gandour.

Fernando Sarney entregou a carta de desistência da ação pessoalmente à presidente da ANJ, Judith Brito, em São Paulo, e disse, por meio de sua assessoria, que não daria entrevistas para explicar sua decisão, limitandose a divulgar uma nota.

Fernando Sarney, que é proprietário de jornal e de emissora de TV no Maranhão, afirmou na nota que desistiu da ação por considerar que a ¿liberdade de imprensa é um patrimônio da democracia¿. Disse que precisou recorrer à Justiça na defesa de seus ¿direitos individuais¿.

¿Encaminhei à Justiça de Brasília desistência da ação que movo contra o jornal `O Estado de S. Paulo¿. A ação foi necessária para defesa de meus direitos individuais protegidos pela Constituição e sob a tutela do segredo de Justiça, reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Infelizmente este meu gesto individual de cidadão teve, independentemente de minha vontade, interpretação equívoca de restringir a liberdade de imprensa, o que jamais poderia ser meu objetivo. Para reafirmar esta minha convicção e jamais restar qualquer dúvida sobre ela, resolvi tomar esta atitude, considerando que a liberdade de imprensa é um patrimônio da democracia e que jamais tive desejo de fazer qualquer censura a seu exercício¿, disse Fernando Sarney na nota.

A censura ao ¿Estadão¿ foi determinada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) em 31 de julho.

Desde então, o jornal tentou derrubar a censura nas instâncias superiores. O caso foi remetido para a Justiça do Maranhão. O jornal então recorreu ao Supremo Tribunal Federal ( STF), que, apesar de acórdão recente referente à derrubada da Lei de Imprensa, rejeitou o recurso do ¿Estado¿, mantendo a censura ao jornal.

Depois de ressaltar que dirige um jornal, ¿O Estado do Maranhão¿ há três décadas, Fernando Sarney diz que entrou na Justiça ¿porque houve vazamento criminoso do teor de investigações da PF, das quais sou alvo em razão de um empréstimo que tomei, registrado em cartório e já resgatado por mim, e pelo qual fui grampeado por mais de oito meses.

Orientado por meus advogados, recorri à Justiça em defesa dos meus direitos, minha privacidade, minha imagem e minha honra, que estavam flagrantemente violados¿, diz Fernando na nota.

Ricardo Gandour, contudo, nega que o jornal tenha cometido qualquer violação do segredo de Justiça durante a apuração.

¿ O jornal não violou nada. O sigilo foi quebrado por alguém, não pelo jornal, que apenas divulgou dados que chegaram à redação ¿ afirmou Gandour.

ANJ: decisão afrontava sociedade

Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) manifestou sua satisfação com a desistência, por parte de Fernando Sarney, da ação movida contra o ¿Estado¿: ¿A ANJ sempre se posicionou contra essa ação de censura prévia, que afrontava o direito da sociedade de ser livremente informada.

A ANJ aguardava confiante uma manifestação definitiva da Justiça contra a censura, já que é terminantemente proibida pela Constituição. O fundamental, agora, é que o livre exercício do jornalismo seja restabelecido, em benefício dos cidadãos, que não devem ter tutelado seu pleno acesso às informações¿.