Título: Lições africanas
Autor: Viana, Jorge
Fonte: O Globo, 27/12/2009, O País, p. 7

Dom Moacyr Grechi voltou a Rio Branco para receber um prêmio outorgado pela prefeitura e rever o rebanho do qual cuidou como bispo de 1972 até 1998, quando se tornou arcebispo de Porto Velho. Seus 27 anos de bispado no Acre conciliaram ternura e coragem, com seu trabalho se estendendo da solidariedade cristã com os mais pobres ao enfrentamento com o crime organizado.

Coincidência ou desígnio, seu breve retorno foi acontecer justamente na última terça-feira, 22 de dezembro, o dia do vigésimo primeiro aniversário de morte de Chico Mendes.

Falando das coisas boas que agora estão acontecendo no Acre com efetiva participação das comunidades, inclusive daquelas mais isoladas nos confins dos rios e florestas, Dom Moacyr lembrou que um provérbio africano já afirma que ¿gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias¿.

A sabedoria desta máxima me provocou muitas lembranças, a começar pela do próprio Chico Mendes. Os seringais por onde ele andava e muito menos a casa humilde em Xapuri não pareciam gestar qualquer coisa importante, mas dali mesmo ele lançou uma contribuição extraordinária para a mudança do pensamento da humanidade, tornando a questão ambiental uma preocupação de todo o mundo, como deixou claro a marcante e frustrante 15aConvenção das Partes para as Mudanças Climáticas, realizada pela ONU em Copenhague.

Não sou um pessimista em relação ao que ocorreu na COP-15.

Acredito que ela teve o poder de colocar a sustentabilidade do planeta na mesma importância das necessidades do desenvolvimento.

Por isso, ela foi marcante, tanto quanto frustrante, considerando que o mais representativo colegiado de líderes mundiais já reunido em torno de um único assunto ¿ no caso, o meio ambiente ¿ deixou passar a oportunidade de fazer a civilização humana entrar efetivamente no Terceiro Milênio, colocando a vida acima de todos os outros interesses sobre a Terra.

E se todo mundo perdeu em Copenhague, o presidente Barack Obama escolheu o pior momento para romper com a opinião pública mundial. Acredito que ele não fez isso voluntariamente.

Parece que o velho conservadorismo americano está impondo agora tudo aquilo que não conseguiu fazer para impedir a eleição de Obama.

Entre frustrações e o empo deramento da causa ambiental, o legado de Copenhague foi substancialmente enriquecido pela iniciativa brasileira, com o presidente Lula confrontando a disposição de países ainda em desenvolvimento para mais sacrifícios em favor da sustentabilidade, contra a intransigência de países desenvolvidos em defesa dos seus privilégios econômicos. Há muita simbologia nesta atitude. Ela questiona os conceitos atuais de ¿desenvolvimento¿ e ¿civilização¿. Deixa claro que esta causa é comum a todos os países e indivíduos, que tanto no plano individual quanto coletivo, necessitam todos quebrar paradigmas para viver sem matar o planeta.

O desempenho do presidente Lula também remete ao provérbio citado por Dom Moacyr Grechi, sobre gente simples fazendo mudanças extraordinárias.

O ano de 2009 está terminando com a consolidação de um governo que venceu a maior crise financeira mundial e deu estabilidade econômica ao Brasil sem abrir mão da inclusão social.

Talvez a gente ainda venha a perceber que a inclusão de milhões de pessoas ao mercado de consumo terá sido a chave para garantir a sustentabilidade depois da estabilidade ¿ uma mudança extraordinária, liderada por um homem simples.

Todas as projeções apontam um 2010 com crescimento econômico e social para o Brasil, fortalecendo a sua posição no cenário internacional. Será nesse clima de alto astral que o país terá o desafio de escolher o melhor sucessor para o presidente Lula, sabendo de antemão que o país não conta com outros grandes líderes entre seus quadros políticos.

Talvez seja mesmo pela falta de líderes nacionais que a corrida presidencial ainda não empolga, mas já se desenha bem competitiva com a saída de Aécio Neves e a certeza da candidatura José Serra delimitando um campo confrontado pela tenacidade da ministra Dilma Rousseff, que cresce nos espaços onde também se movimentam a novidade da senadora Marina Silva e a dúvida do deputado Ciro Gomes.

Certamente pelo fato de que suas candidaturas se mantêm na cabeceira das pesquisas, muitos dizem que Dilma e Serra são muito parecidos. Mas se a diferença entre eles começa pelos partidos, os resultados do governo e a companhia do presidente Lula favorecem ela, francamente.

As muitas lembranças que trago neste artigo têm um claro sentimento de reflexão de fim de ano. Afinal, já vivemos no mundo pós-Copenhague e os desafios de 2010 estão aí. Isso me lembra outro provérbio africano que ensina: ¿Se quiser ir rápido, vá sozinho.

Mas, para ir longe, vá com muitos