Título: Extradição reabre debate sobre anistia
Autor: Brígido, Carolina ; Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 26/01/2010, O País, p. 10

Comissão cobra punição a torturadores; para ministro do STF, casos estão encerrados

BRASÍLIA. O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitar o pedido de extradição para a Argentina do major uruguaio Manuel Cordero abre a porta para processar todos os envolvidos em crimes relacionados com os desaparecimentos políticos ocorridos no Brasil durante a ditadura militar. Cordero é acusado de envolvimento na repressão a opositores de governos militares e de ter atuado na Operação Condor.

O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo de extradição de Cordero no STF, discorda, porém, do entendimento de Abrão. Para o ministro, a Lei de Anistia significa o esquecimento de qualquer crime cometido durante a ditadura ¿ e pelos dois lados.

¿Não interessa à sociedade reabrir essa ferida¿ No julgamento de Cordero, Marco Aurélio foi o único a recorrer à Lei de Anistia. Ressaltou que o julgamento da extradição foi uma prévia da ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questiona a extensão da Lei de Anistia a torturadores.

¿ Aquele julgamento refletiu uma avant première da ação da OAB. Não interessa à sociedade reabrir essa ferida. Anistia é perdão, é uma opção política normativa para evoluir-se e chegarse a um regime democrático, como nós chegamos. A anistia se mostrou bilateral, implicando perdão aos engajados no movimento de repressão e também àqueles que se insurgiram contra o regime. Acredito muito na virada de página e nos efeitos da esperança ¿ disse o ministro.

Marco Aurélio explicou que a Lei de Anistia é de eficácia imediata.

Para ele, qualquer outra legislação que tente modificá-la poderia retroagir apenas para beneficiar o acusado. Segundo o ministro, pela Constituição Federal, o crime de tortura não prescreve. No entanto, essa regra só valeria para crimes cometidos após a promulgação da Constituição, em 1988.

¿ Fora isso é a Babel.

Para Abrão ¿ defensor da apuração de todos atos cometidos por militares durante o regime de exceção ¿, o STF entendeu que, enquanto a pessoa estiver desaparecida, o crime não deixou de existir: ¿ Ao extraditá-lo, o STF afirmou que, enquanto uma pessoa continuar desaparecida, o crime permanece sendo cometido e, portanto, não há de se falar em prescrição sobre a abertura de processos de investigação.

Assim, já está aberta a porta jurídica para o processamento de todos os crimes relacionados com os desaparecidos políticos brasileiros.

Para ele, se o Brasil se recusar a extraditar acusados de excessos na ditadura, correrá o risco de se tornar um refúgio de ditadores. Abrão afirmou que a decisão do STF sinaliza a ideia de que crimes de lesa humanidade são imprescritíveis. Para ele, esse deve ser o entendimento sobre a Lei de Anistia.

¿ Essa é a adequada interpretação jurídica sobre a nossa própria Lei de Anistia, que, a meu ver, nunca beneficiou os torturadores. O que tem imperado aqui, ao longo do tempo, é uma leitura política da lei, querendo impor um esquecimento, como se fosse possível.