Título: Brasília loteada
Autor: Leali, Francisco
Fonte: O Globo, 15/02/2010, O País, p. 3

CORRUPÇÃO DOCUMENTADA

Apreendida pela PF, ata de reunião mostra como Arruda distribuía cargos entre amigos e aliados

Documentos apreendidos com assessores do governador afastado do Distrito Federal, José Roberto Arruda, indicam que, apesar de vender a imagem de um moderno gestor, ele se dispôs a seguir uma velha receita: lotear o governo entre amigos e aliados políticos, num empreguismo explícito. Em 2007, ainda no primeiro ano de governo, um seleto grupo de colaboradores de Arruda montou para ele um didático esquema para distribuir entre os amigos e assessores 4.463 cargos de confiança. O grupo, com a participação direta do governador, redigiu até uma ata de reunião, estabelecendo como critério de nomeação a afinidade com Arruda e seus amigos.

O texto com a divisão dos cargos e a ata foram apreendidos pela Polícia Federal na casa de Domingos Lamoglia, ex-chefe de gabinete de Arruda e conselheiro do Tribunal de Contas do DF. O primeiro documento, de uma página, lista os padrinhos políticos dos cargos de confiança. Com o título "sugestão do grupo especial, encarregado de controlar as nomeações no GDF", o texto justifica as razões de distribuir indicações entre aliados: "Diminuir a pressão sobre o senhor governador".

De acordo com a lista, os secretários de estado poderiam indicar 20 cargos cada, num total de 320 nomeações. Os 21 presidentes de empresas ligadas ao GDF ficariam com dez cargos cada, num total de 210. Outros 690 cargos ficariam para o que o texto chama de "23 amigos do grupo JRA" (sigla de José Roberto Arruda). Entre eles estão o próprio Domingos Lamoglia, Omézio Pontes, assessor de imprensa, e o deputado Alberto Fraga (DEM), hoje secretário de Transportes. Cada um teria direito a 30 cargos.

Vagas reservadas para cada deputado

Para os 14 coordenadores da campanha de Arruda em 2006, foram reservados 140 cargos. Os nove presidentes de partidos que apoiaram a eleição também poderiam indicar 90 pessoas. Estão na lista DEM, PSL, PMN, PTN, Prona, PPS, PSC, PP e PL. Haveria ainda cargos para apadrinhamento da bancada federal do DF. Para 19 deputados distritais seriam destinados 1.520 cargos (80 para cada). O documento ressalva que, dos 4.463 ocupantes de cargos, 987 poderiam ser mantidos, restando para escolha dos amigos e aliados 3.476 postos.

Com data de 16 de setembro de 2007, o texto é assinado por AJC, sigla atribuída a Adelson Júlio Cardoso, um dos auxiliares de Arruda. Uma semana após a confecção da lista, Arruda reuniu sua equipe na residência oficial. O encontro foi registrado numa ata que também estava na casa de Lamoglia.

Entre os temas da reunião estava a nomeação de cargos de confiança do governo. E o critério acertado é o de tirar todos os ocupantes que eram de carreira e não tinham ligação com o grupo de Arruda: "No âmbito interno, afastar os comissionados técnicos ou servidores efetivos que detêm cargo em comissão, nomeados em cargos comissionados no GDF, não alinhados com a política do governo do DF, substituindo-os por assessores próximos, de longa data, amigos, correligionários, dentre outros, desde que possuam capacidade técnica para tanto".

Quando assumiu, Arruda alardeou que estava acabando com o trem da alegria criado no governo anterior, que contratou, sem concurso, pelo Instituto Candango de Solidariedade (ICS). Na época, foram demitidas 3.500 pessoas. Na reunião, Arruda acertou que iria recontratar os que fossem aliados usando outro mecanismo: aproveitar vagas nos contratos de prestação de serviço do GDF. Ou seja, iria transferir apadrinhados para empresas contratadas pelo governo. "No âmbito externo, (devemos) fazer um levantamento nos contratos de prestação de serviços de mão de obra e estágios para que se possa viabilizar a absorção das demandas que não foram atendidas no setor público pelo setor privado, em especial aos demitidos do antigo ICS e correligionários", diz o texto.