Título: Dilema europeu
Autor: Leitão, Miriam
Fonte: O Globo, 24/02/2010, Economia, p. 18

Em cinco anos o governo grego ¿ anterior ao atual ¿ contratou em termos líquidos 75 mil funcionários públicos; manipulou estatísticas fiscais para enganar a Europa e expandiu gastos. A recessão derrubou a arrecadação, encurtou e encareceu a dívida. Um calote grego quebraria bancos. A crise, que era bancária, em 2009, está virando crise de país e pode voltar a ser bancária.

O problema europeu pode trazer de volta a instabilidade do ano passado, se a ameaça de calote da Grécia não for contida. Há riscos de vários contágios. Estava conversando com o economista Armando Castelar Pinheiro, da Gávea Investimentos, e ele me contou que: ¿ A dívida da Grécia está com vários bancos gregos, franceses, suíços, e até alemães.

Além disso, os bancos gregos são responsáveis por grande parte do crédito na Turquia e Bulgária.

Ou seja, se a Grécia não for socorrida, o búlgaro fica sem crédito, e bancos de outros países podem quebrar.

A Grécia está por alguns dias. Nos últimos tempos houve um forte encurtamento dos prazos dos títulos gregos.

Quando os títulos vencerem, o país terá que vender papéis para rolar a dívida.

Mas para isso precisa ter crédito.

Quem emprestaria para um país com mais de 100% de dívida pública e que terá que se endividar para cobrir um déficit de 12,7% do PIB em 2009? Para este ano, a previsão é que o país consiga derrubá-lo para 8,7%.

Há duas saídas para a Grécia: ou a Europa ajuda ou o FMI socorre. Em qualquer dos dois tipos de resgate o país terá que fazer um baita ajuste fiscal que significará cortar gastos, congelar salário de funcionalismo, cortar gratificações de servidores, aumentar a idade de aposentadoria.

O problema é que os gregos estão se comprometendo a reduzir o déficit público de quase 13% do PIB para 3% até 2012. Um resultado difícil de cumprir.

Se não fizesse parte do euro, poderia desvalorizar a moeda. Essa é uma forma clássica de resolver o problema.

Daria mais competitividade à economia, e reduziria a dívida. Mas a Grécia não pode fazer porque está no euro. A Alemanha, por sua vez, poderia simplesmente ignorar a crise grega, mas não pode porque faz parte do euro.

O dilema europeu tem muitos lados. O continente tentou criar padrões fiscais comuns, mas na crise dos bancos, do ano passado, os países aumentaram muito seus gastos elevando o endividamento e déficit público.

Da perspectiva da Alemanha, que é o trem pagador dessa promessa de que todos os recém-chegados seriam igualmente europeus, a questão é até que ponto o cidadão está disposto a pagar aos países da periferia da Europa.

O sistema virou assim uma camisa de força para todos, e se for para preservá-lo é preciso fazer um Maastricht que seja levado a sério.

¿ Há muito tempo o acordo de Maastricht, que estabeleceu limites para o déficit público dos países europeus, vem sendo desrespeitado.

No caso da Grécia, como se viu agora, os dados foram manipulados para parecer que o problema estava sendo resolvido ¿ disse Castelar.

O temor é que a Grécia seja um rastilho de pólvora.

O novo governo propõe congelar salário de funcionário, cortar gastos, aumentar idade da aposentadoria para tentar garantir um empréstimo europeu que o tire da situação de virtual default.

Enfrenta protestos internos e ceticismo externo.

Conseguirá fazer isso? Outro lado do contágio é simplesmente o de os credores irem para cima de países que, como a Grécia, têm dívida e déficit público altos.

Se houver um calote grego, ele será o primeiro da história de onze anos do euro, mas não será o último. Vai afundar a crise de outros países europeus que também têm dívidas altas. A Irlanda fez durante anos um forte ajuste que reduziu muito sua dívida como proporção do PIB, mesmo assim corre riscos.

¿ O problema é que a crise bancária fez a Irlanda gastar muito com o resgate dos bancos ¿ conta Armando Castelar.

Vários países europeus e os EUA ampliaram muito o déficit para resgatar os bancos da crise; em todos os países, houve queda de arrecadação por causa da recessão ou redução do crescimento.

Isso fez com que os gastos aumentassem enquanto a arrecadação caía, o que leva a mais dívida e déficit. Hoje, a Alemanha tem uma dívida de 78% do PIB, França, de 84%, e Inglaterra, de 81%. E as projeções mostram crescimento.

Pelos dados da OCDE, a idade mínima legal de aposentadoria de um grego é 58 anos. O governo socialista grego, que herdou toda essa confusão, está propondo elevar a idade média de aposentadoria de 61 anos para 63, em 2015. Na Alemanha, está passando de 65 para 67 anos.

Não é fácil o dilema europeu.

Se a crise não for contida, pode se espalhar, contaminando outras economias e trazendo de volta fantasmas já exorcizados. Se for contida, pode aumentar o descontentamento entre as grandes nações por terem que sustentar países pequenos onde, em muitos casos, os critérios do sistema social são mais generosos