Título: Desigualdade persiste, apesar dos avanços
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2009, Brasil, p. 10

Segundo Unicef, melhorias no ensino não chegam de forma igual para todos. Periferia das cidades é uma das áreas mais prejudicadas

Moradora da Estrutural, Priscila reprovou a 5ª série no ano passado As tão festejadas taxas nacionais que apontam 97,6% das crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos matriculados nas escolas escondem uma realidade perversa vivida por alguns grupos. Estão fora dessas estatísticas meninos e meninas de comunidades indígenas ou quilombolas, que moram na região do semiárido brasileiro, com algum tipo de deficiência ou que residem nas periferias dos grandes centros urbanos. Enquanto a média de crianças de até 10 anos analfabetas no país é de 5,5%, no Nordeste o índice mais que duplica, ficando em 12,8%. O risco de um garoto que mora em uma comunidade popular de grandes cidades e cursa a 4ª série estar defasado nos estudos é 16% maior que o de um morador de outros bairros.

Essa e outras iniquidades foram apontadas ontem no relatório Situação da Infância e da Adolescência 2009, lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Criança (Unicef). A publicação de 180 páginas traz dados recentes mostrando como a educação melhorou nos últimos 15 anos, mas faz cortes para populações específicas, mais desfavorecidas em razão do local onde mora, cor da pele, ter ou não deficiência, entre outras variáveis (veja quadro). Kelvin Clécio Aguiar se enquadra em duas situações de risco apontadas pelo documento. Viveu, até dois anos atrás, num dos estados mais pobres do país, o Piauí, onde quase 20% da população de 15 a 17 anos estão fora da escola.

No Distrito Federal desde 2007, o menino foi morar com a mãe em um bairro pobre da cidade, outra situação vulnerável listada no estudo. Com muita sorte, se não reprovar mais, Kelvin conseguirá finalizar o ensino fundamental com 20 anos. Hoje, aos 16, está na 5ª série. ¿No Piauí eu ajudava a minha avó na roça, faltava muito. Quando vim para cá, tentei levar a sério os estudos, mas tenho dificuldade em português¿, conta o garoto.

O domínio da língua também é o maior problema de Priscila Reis Lima, mas não o único. No ano passado, a menina de 12 anos que mora na Estrutural reprovou a 5ª série porque foi mal em matemática, inglês, geografia e história, além de português. Na avaliação de Marie-Pierre Poirier, representante do Unicef no Brasil, casos como o de Kelvin e Priscila acabam esquecidos no meio de números gerais. ¿Essas crianças estão invisíveis nas estatísticas. A realidade dos moradores de periferias só é verificada em levantamentos sobre violência, mas pouco se olha para a questão educacional¿, ressalta.

Precariedade Mesma situação de invisibilidade, segundo Marie-Pierre, vivem os estudantes do campo, onde a defasagem idade-série atinge 41,4% dos alunos, o dobro da taxa nas escolas urbanas. Na Amazônia Legal, que reúne comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, há 90 mil adolescentes analfabetos e 160 mil crianças entre 7 e 14 anos fora da sala de aula. O semiárido, que inclui parte de nove estados nordestinos e de Minas Gerais e do Espírito Santo, também sofre com a precariedade na educação. Lá, uma criança leva em média 11 anos para concluir o ensino fundamental, que deveria durar oito anos.

Negros e indígenas também sofrem com a exclusão. Enquanto 1,77% das crianças brancas de 7 a 14 anos estão fora da escola, entre os negros o índice é de 3,28%; na população indígena, de 9,84%.