Título: Falha de líder
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 19/03/2010, Economia, p. 32

O presidente Lula foi inadequado, mais uma vez. Ao contrário do queele diz, o problema dos royalties do petróleo não é apenas doCongresso. Foi ele, Lula, que enviou os projetos de lei para mudar oregime de exploração, foi o seu gabinete que decidiu o novo modelo equis a redução dos impostos dos estados produtores. No Congresso, asgracinhas de ano eleitoral, como ele diz, nasceram da sua omissão.

O resto surgiu naturalmente do oportunismo de alguns, como o deputado Ibsen Pinheiro.

Ademais,se a Federação está dividida, é assunto do presidente, óbvio; se adivisão é em torno de um projeto que nasceu de uma gracinha eleitoraldo governo, o presidente tem trabalho a fazer. Chega a ser cômico queLula esteja se propondo a ser mediador do intratável conflito doOriente Médio, assunto entregue às grandes potências desde sempre,enquanto no Brasil os estados se acusam e se dividem, e as populaçõesse mobilizam. E tudo que Lula tem a dizer é que a bola é do Congresso.

Opresidente Lula se perguntou: por que essa pressa agora, se o assuntoé para 2016? Ora, a bola pode ser devolvida a ele: por que a pressa?Por que o pedido de urgência? Porque foi o governo que decidiu apressaruma discussão que tinha que ser amadurecida, quando colocou deafogadilho, e de olho em dividendos eleitorais, a mudança do regime deexploração de petróleo no Congresso. Inicialmente, a proposta era sópara futuros blocos a serem licitados no pré-sal. Só então é que osestados produtores perderiam uma de suas fontes de receita, aparticipação especial. Depois, passouse a incluir as áreas já licitadasnesta decisão de não dar mais participação especial aos estadosprodutores.

A emenda Ibsen vai mais adiante e diz que para todaa produção de petróleo, a partir da sua promulgação, os royaltiespassam a ser divididos com todos os estados. Portanto, enganase quempensa que o assunto é para 2016. Ele foi trazido ao tempo presente.

Sua aplicação será imediata se a emenda for aprovada.

Oregime de concessão, que vigora há mais de dez anos, conseguiu feitosextraordinários, como o de aumentar os lucros da Petrobras muito maisdo que a alta do petróleo no período. De 1997 para cá, os preços dopetróleo subiram 200% e os lucros da Petrobras até 2008 subiram 943%,segundo a comparação feita pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura(CBIE). Os dados do balanço de 2009 só vão sair hoje.

Nesteperíodo, aumentou a arrecadação de impostos do petróleo, a entrada decapital estrangeiro, e quase dobraram as reservas do Brasil.

Nãohá explicação para que o governo decida mexer no modelo que deu certoaté agora, fortaleceu a empresa brasileira, fez com que 70 empresasnacionais e estrangeiras viessem investir na área.

A únicaexplicação para mudar agora o modelo é fazer, para usar a expressão dopresidente Lula, uma gracinha eleitoral. Se quiser uma discussãoséria sobre mudança do modelo, o governo pode deixar tudo para depoisda temporada de gracinhas, e assim o país poderá discutir o assunto asério no ano que vem. A melhor forma de discutir uma revisão dosimpostos de petróleo é dentro de uma reforma tributária.

Há muitos pontos interessantes levantados por brasileiros de outros estados e que devem ter resposta.

Perguntasdo tipo: por que uma riqueza que é do Brasil todo deve ficar com o Rio?Estado tem mar territorial, ou o mar é dos brasileiros em geral? Asrespostas estão na Constituição. Artigo 20. É tudo da União: mar, rios,ilhas fluviais, lagos, potencial hidráulico, recursos da plataformacontinental, recursos minerais, cavernas, terras. Tudo.

Então, adiscussão acabou aqui? Não, porque tem o parágrafo primeiro do mesmoartigo que diz que os estados e municípios têm o direito de participardo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursoshídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursosno respectivo território, plataforma continental, mar territorial ouzona econômica exclusiva.

Ou então têm direito a compensação financeira por esta exploração.

Conclusão:sim o mar é de todos, mas a Constituição aceita a figura do marterritorial e plataforma continental dos estados. Sim, tudo é da União,mas os estados e municípios têm o direito de ou participar do resultadodessa exploração econômica ou ser compensado financeiramente.

Lula não quer em ano eleitoral desagradar cariocas, nem nordestinos, nem gaúchos, nem quaisquer moradores dos entes federados.

Porisso, culpa o Congresso pelo imbróglio, quando foi ele mesmo queiniciou toda essa discussão e foi sua base que aprovou a emenda dadiscórdia. Diz que a bola está no Congresso, quando foi ele que iniciouo jogo na hora errada. Tenta não tomar posição para não perder votos epopularidade.

Torce para que no final a Justiça considere aemenda Ibsen inconstitucional e ele possa lavar as mãos, mais uma vez.Enquanto isso, Lula se apresenta como grande estadista capaz deresolver a insanável fratura do Oriente Médio.

É papel dopresidente da República do Brasil mediar um conflito dessas proporçõesna Federação. Se os estados se desentendem, a fratura se aprofunda, é aUnião que pacifica, e por isso tem o nome que tem