Título: Mesmo sob pressão, Sarkozy mantém reformas
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 25/03/2010, O Mundo, p. 29

Presidente francês minimiza protestos e fraco desempenho nas urnas, garantindo que não muda rumo do governo

NICOLAS SARKOZY: além da derrocada de seu partido nas urnas, presidente tem desafio de dar respostas a milhares de manifestantes insatisfeitos com as políticas sociais da França

PARIS. Diante dos jornalistas, que não puderam fazer perguntas, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, transmitiu ontem uma mensagem clara aos franceses: não vai mudar o rumo de seu governo e vai seguir com as reformas. Foi a primeira vez que ele se pronunciou após a enorme derrota de seu partido de direita, o UMP, nas eleições regionais, onde a esquerda francesa venceu em 21 das 22 regiões do país.

Vivendo uma das piores crises econômicas dos últimos anos, a França se viu palco de uma onda de greves e manifestações que tomou conta do país anteontem ¿ mas que não surtiu efeito no Palácio do Eliseu. Sarkozy sequer mencionou a palavra derrota. O presidente começou seu discurso dizendo que os franceses se expressavam num contexto de crise financeira e agrícola.

¿ Meu dever é escutar esta mensagem ¿ disse ele.

Mas, em seguida, justificou suas ações, afirmando que a crise escondeu os benefícios das reformas. E, destacando o ¿sangue frio¿ de um chefe de Estado, foi direto ao ponto:

¿ Nada seria pior do que mudar tudo, deixando-se levar pela agitação do período eleitoral.

O discurso agradou à direita, que no domingo perdeu não apenas para a esquerda como também para a extrema-direita: a Frente Nacional, do extremista Jean-Marie Le Pen, conquistou 8,7% dos votos e avançou em 12 regiões do país. Muitos eleitores da extrema-direita, que haviam sido seduzidos por Sarkozy, se decepcionaram e voltaram para suas bases.

¿ (Sarkozy mostrou) grande lucidez na análise de mensagens ¿ disse o presidente do UMP no Senado, Gérard Longuet, para quem as políticas atuais do governo são ¿as únicas vias para sair da crise¿.

Promessas de envolver sindicatos em reformas

Os principais adversários de Sarkozy, sobretudo no Partido Socialista, grande vencedor das eleições, não tardaram a reagir:

¿ Se escutei bem, os franceses são cegos. Eles não entenderam que o governo escolheu a indústria, o emprego, o poder de compra, uma República impecável ¿ ironizou o deputado socialista Henri Emmanueli. ¿- Preocupa-me seriamente ver um homem de mais de 50 anos e três de mandato que continua a mostrar-se imaturo e juvenil.

Uma das maiores centrais sindicais do país ¿ a CFDT ¿ também protestou. Num comunicado, o líder sindical François Chérèque disse:

¿ Ao declarar que não mudaria o rumo e que todas as medidas necessárias para combater a crise já foram tomadas, o presidente ignora as dificuldades dos assalariados.

Sarkozy confirmou os próximos passos da reforma. Um exemplo é sua luta para adotar uma lei proibindo o uso do véu integral islâmico que, segundo ele, ¿é contrário à dignidade da mulher¿. Quanto à aposentadoria ¿ principal motivo da ira dos sindicatos ¿ ele também garantiu que levará reformas adiante, embora garantindo que vai envolver seus ¿parceiros sociais¿ (sindicatos e outros interessados).

¿ Não vou passar (a reforma da aposentadoria) à força. Mas, dentro de seis meses, as medidas necessárias e justas terão sido adotadas ¿ garantiu o presidente.

No plano fiscal, Sarkozy garantiu que seu governo vai seguir ¿diminuindo encargos sobre o trabalho e o investimento, recuando qualquer aumento de impostos¿. Ele partiu para a defesa dos agricultores franceses, dizendo estar pronto para uma crise na Europa e disposto a defender a Política Agrícola Comum (PAC) -¿ esquema de subsídios que muitos países exportadores agrícolas, como o Brasil, denunciam como nocivo ao comércio internacional e vêm tentando derrubar nas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC).