Título: Desequilíbrio das águas
Autor: Albuquerque, Carlos
Fonte: O Globo, 22/03/2010, Ciência, p. 30

O desmatado Cerrado é o maior responsável pelo abastecimento do país

Considerado por muitos, erroneamente, como um ambiente seco e sem vida, o Cerrado está longe de ser um estranho na celebração do Dia Mundial da Água, que ocorre hoje. Um dos maiores ecossistemas do país e também um dos mais agredidos já teve 48,2% de sua vegetação original destruída ele possui as nascentes de rios que percorrem estados das cinco regiões e abastecem as três maiores bacias do Brasil. Segundo especialistas, sua preservação é fundamental para garantir água para a vida nas cidades, a prosperidade da agricultura e o funcionamento das hidrelétricas.

O Cerrado possui uma importância enorme para o abastecimento de água no país garante Rubens Coelho, professor de Engenharia de Irrigação da USP. Basta lembrarmos que o Rio São Francisco fica dentro dos seus limites.

De acordo com a ONG SOS Cerrado, 78% da água que abastece a Bacia Amazônica vem de rios que nascem no Cerrado e 50% das águas da bacia do São Francisco têm origem nas suas nascentes. Trata-se, portanto, da maior fonte geradora de água doce no país que tem a maior riqueza hídrica do planeta.

Tamanho tesouro, porém, não tem sido bem tratado: o Cerrado tem apenas 2,8% de seu território protegido de forma efetiva. O desmatamento corre acelerado, enquanto o governo só agora anuncia o lançamento de um plano para conter sua devastação.

Trata-se de um ecossistema que, diferente da região amazônica, não possui muitas proteções naturais, favorecendo a ocupação desordenada. Isso tem causado, por exemplo, o assoreamento dos seus rios afirma Leide Takahashi, gerente de projetos da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, que desde 2007 mantém uma unidade de conservação no local.

Especialista cobra política nacional

Quando o assunto é água, o Brasil poderia estar deitado em leito esplêndido. O país, onde vive apenas 3% da população mundial, detém cerca de 13% da água do planeta 74% desse percentual, porém, está na pouco povoada região amazônica.

Temos uma quantidade invejável de água, mas não em cada ponto do Brasil que dela precisa conta Paulo Canedo, coordenador do laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ. Na região amazônica, temos mais água do que precisamos. Já no semiaacute;rido, temos menos água do que é necessário.

Além disso, tratamos muito mal essa nossa riqueza natural.

Uma das maiores causas de mortandade no país é a diarreia, que é o resultado da contaminação da água. O tratamento de esgoto no país é um caso de saúde pública.

De acordo com um relatório das Nações Unidas, divulgado esta semana, uma entre cada seis pessoas no planeta não tem acesso à água potável. Até 2025, a estimativa da ONU é que dois terços da população vão sofrer com a escassez de água.

Poderíamos estar numa situação muito melhor se tivéssemos uma administração eficiente das nossas águas afirma Canedo.

Falta uma política nacional desse recurso. Sem isso, seguiremos desperdiçando o que a natureza nos deu.