Título: O jogo legal
Autor: Oliveira, Regis Fernandes de
Fonte: O Globo, 29/03/2010, Opinião, p. 7

Desde que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, em setembro de 2009, meu parecer sobre o projeto de lei que regulamenta a atividade dos bingos no Brasil, foram levantadas dúvidas sobre o conteúdo da proposta.

Grande parte das críticas baseia-se na alegação de que possíveis irregularidades seriam cometidas na esteira da autorização ao funcionamento das casas. Dentre esses crimes, o mais propalado seria a lavagem de dinheiro oriundo do crime organizado.

A proibição não impede que ações criminosas sejam colocadas em prática.

O que coíbe a atuação de criminosos é a fiscalização. Nenhuma atividade econômica está livre de servir de fachada para práticas ilegais, todas podem ser usadas para a lavagem de dinheiro.

No entanto, as legalmente constituídas sofrem o controle do poder público.

Não é a atividade econômica em si que beneficia a criminalidade, mas a ausência de fiscalização, que lesa o Estado e o cidadão com o montante que deixa de ser recolhido em tributos a estimativa de arrecadação anual com os bingos é de R$ 7 bilhões. O projeto em debate na Câmara Federal pretende impedir que os bingos, hoje na clandestinidade, sirvam de fachada para diversos crimes, como a sonegação fiscal. Tanto isto é verdade que está previsto no texto o aporte de R$ 1 milhão e caução de R$ 200 mil para a abertura de cada estabelecimento.

A exigência dificulta o uso de laranjas, uma vez que os empresários terão que comprovar tal capital junto à Receita Federal. As máquinas de jogo também serão interligadas à Receita, identificando em tempo real os ganhadores, que terão seus dados repassados para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coafi).

Outra medida a ser ressaltada, para que não se alegue a incapacidade da máquina governamental de fiscalizar, é a criação de uma taxa de R$ 20 mil por mês, para cada casa de bingo, destinada ao financiamento do órgão fiscalizador.

Se forem reabertas 1.500 casas, como se estima, seriam R$ 30 milhões por mês, R$ 360 milhões por ano. Recurso suficiente para uma fiscalização eficaz.

Outra vantagem de trazer a atividade para a formalidade é dar dignidade aos trabalhadores que hoje vivem à margem da proteção legal, sem falar na geração de empregos serão cerca de 250 mil postos de trabalho, diretos ou indiretos, com a volta dos bingos.

Questão também relevante é a destinação de 17% da receita das empresas, a título de royalties, a um fundo para políticas públicas, sendo 14% para a saúde, 1% para o esporte, 1% para a cultura e 1% para a segurança pública.

Uma argumentação recorrente contra a legalização refere-se aos prejuízos causados às pessoas viciadas em jogo os chamados ludopatas.

Para eles, o projeto prevê proteção com a criação de um cadastro nacional para impedi-los de apostar.

Jogos são legais em mais de 130 países do planeta, praticamente apenas o mundo islâmico proíbe a atividade. No Brasil, o que se quer com o projeto em tramitação na Câmara é regulamentar a atividade dos bingos. A situação atual, em que o governo nada arrecada e os apostadores não têm garantia alguma, não pode continuar. Ou bem o país enfrenta a hipocrisia que rodeia a questão ou fecha os olhos e aceita a existência de uma atividade clandestina e ilegal, com efeitos nefastos para a coletividade e prejuízo para os cofres públicos.