Título: Lula: Vamos fazer Belo Monte
Autor: Damé, Luiza; Oliveira, Eliane; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 09/04/2010, Economia, p. 27

Após desistência de empreiteiras, presidente garante usina com ou sem empresas privadas

Ogoverno não pretende mudar o edital de leilão nem os planos de construir a usina de Belo Monte devido à desistência das construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que a União vai fazer a hidrelétrica, a terceira maior do mundo, com ou sem empresas privadas interessadas. A declaração pública de Lula tem a intenção de deixar claro que o governo não aceita chantagem, como o presidente e sua equipe classificaram nos bastidores a decisão das empreiteiras. A convicção do Planalto é que haverá ao menos dois consórcios na licitação, mantida para o dia 20.

Um dos grupos deverá ser puxado pela construtora Andrade Gutierrez e o outro, ainda a ser alinhavado, deverá ter a presença do Grupo Bertin e das empreiteiras Queiroz Galvão e Mendes Junior, ambas inscritas para serem parceiras da Eletrobras no leilão. Investidores russos poderiam "turbinar" o grupo. Cerca de 15 empresas se candidataram à associação com as estatais do setor elétrico, dando tranquilidade ao governo.

- Nós vamos fazer o leilão. É importante ficar claro em alto e bom som: nós vamos fazer Belo Monte. Entrem ou não entrem (grupos interessados), nós vamos fazer Belo Monte. Nós precisamos encontrar o preço justo e não o preço que alguém quer nos impor - disse Lula.

O presidente afirmou que o governo espera ter "três, quatro, cinco ou mais grupos" no leilão e vai trabalhar para que os empresários não tenham prejuízos na construção da hidrelétrica, nem que o consumidor de energia pague "lucros exorbitantes". Ele destacou que o governo sabe qual é o "caminho do meio", pois aconteceu situação semelhante nos leilões de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, e tudo "foi resolvido":

- Estejam certos que quem apostar que o governo não tem cacife para fazer, (saibam que) o governo fará Belo Monte.

Empresas entrariam na obra após leilão

Nos bastidores, Lula e sua equipe avaliam que as empresas estão blefando para forçar o governo a mudar o edital, o que estaria fora de cogitação. O presidente lembrou em uma reunião esta semana que a Odebrecht fez a mesma coisa com Santo Antonio, enviando uma carta às vésperas do leilão alegando que as condições eram impossíveis. Mas, não só a construtora compareceu, como derrubou a tarifa, do teto de R$122 o megawatt/hora (MWh) para R$78,90, ganhando a disputa.

O preço da tarifa de Belo Monte foi fixado em R$83 o MWh, para cobrir investimento de R$19 bilhões. Camargo e Odebrecht alegam que o preço não paga o investimento. O governo se recusa a mudar o valor. Também descarta elevar, de 20% para 30%, a parcela de energia que poderá ser comercializada no mercado livre, onde a tarifa é liberada. A exceção que se admite é melhorar as condições de financiamento do BNDES, com juros menores quando a primeira máquina de Belo Monte entrar em funcionamento.

- O preço da tarifa é extremamente competitivo. É um preço muito mais baixo do que você tem contratado energia. Ainda que o deságio seja zero, se a usina for construída a R$83 o MWh é um grande sucesso. Se tiver deságio, melhor - disse o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim.

Executivos do setor dizem que o problema das empreiteiras não é como cobrir o investimento, mas sim lucrar pouco. A tarifa-teto de R$83 sustenta o empreendimento, diz uma fonte, mas geraria só R$3 bilhões de lucro. Até R$80 não há problema. Só na faixa de R$70, haveria problema.

Tolmasquim comunga da expectativa de dois consórcios no leilão e acha quase impossível que algum participante entre sem a parceria de uma das estatais da Eletrobras (Furnas, Chesf, Eletronorte ou Eletrosul).

- Possível é, não acho provável. É um empreendimento muito grande, e a participação da Eletrobras ajuda a formar a quantidade do capital necessário para alavancar recursos.

No setor privado, acredita-se que, se a pressão da desistência não funcionar, Camargo Corrêa e Odebrecht vão acionar o "plano B". Em vez de investidoras, serão construtoras do projeto, subcontratadas pelo consórcio vencedor. A chance de isso ocorrer é elevada, pois elas, com a Andrade Gutierrez, fizeram os estudos de viabilidade de Belo Monte e sabem tudo sobre a obra. O governo tem a mesma avaliação.

- A Camargo e a Odebrecht têm grande tradição de empreiteiras. Pelo que entendi, continuam dispostas a entrar na construção. Estão saindo é da possibilidade de entrar como investidores - afirmou Tolmasquim.

(*) Enviado especial