Título: Burocracia ameaça votação de presos no Rio
Autor: Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 25/04/2010, O País, p. 9

Com problemas de documentação, TRE e unidades prisionais correm para emitir títulos eleitorais a tempo

Quase dois meses depois de aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as novas regras para a votação de presos provisórios no Brasil ainda desafiam a organização dos tribunais regionais eleitorais, do Ministério Público e das unidades prisionais. Juízes, desembargadores, procuradores e diretores de casas de detenção têm até o dia 5 de maio para regularizar a situação eleitoral de quem foi preso mas ainda não teve sua condenação transitada em julgado.

No Rio, os prazos curtos fizeram com que o TRE-RJ montasse uma força-tarefa em conjunto com os responsáveis pelos detentos. O principal gargalo é a dificuldade de obter documentos originais para a confecção dos títulos eleitorais, que têm de ser transferidos para as seções especiais instaladas nas unidades. De um universo estimado em oito mil presos provisórios, devem estar aptos a votar apenas 3.165 (39%), sendo que o número efetivo de eleitores deve ser bem inferior por causa dos problemas na documentação.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também participa da organização para o voto na cadeia, hoje são, no país, cerca de 209 mil presos provisórios e 6,8 mil jovens e adolescentes, entre 16 e 21 anos, submetidos a medida socioeducativa, e que também têm o direito de votar.

¿Desinteresse¿ em 5 unidades

Das 29 unidades prisionais recomendadas pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) e pelas secretarias estaduais de Segurança Pública e de Administração Penitenciária, 23 foram selecionadas pelo TRE. Setores do tribunal foram a campo a fim de identificar os locais mais viáveis para receber as urnas.

O presidente do TRE-RJ, desembargador Nametala Machado Jorge, afirma ter recebido do sistema penitenciário documentos inúteis, que não são válidos para a confecção dos títulos: ¿ Eles (dirigentes prisionais) tiveram tempo suficiente, desde uma reunião organizada no dia 23 de março, na qual ficou acordado que eles conseguiriam os papéis. Entendem como documento alguma identificação criminal, mas isso não nos basta. Já estamos concedendo mais um prazo, até o dia 5, para que eles possam nos trazer essa documentação.

O desembargador fazia referência ao sistema de cadastramento de identificação criminal fornecido pela Polinter, principal instituição penal que participará das eleições, já que uma de suas principais funções é receber presos provisórios. A discussão agora é saber se esse cadastramento, emitido pelo Detran, é válido ou não para requerer o título eleitoral. Também no esforço para fazer valer a votação dentro das cadeias, o Ministério Público Eleitoral já solicitou que o Detran se empenhe na emissão de segundas vias das carteiras de identidade a partir desse sistema.

Do outro lado, o coordenador do controle de presos da Polinter, Orlando Zaccone, responde que está trabalhando para ter acesso aos documentos necessários: ¿ Pedimos os papéis para os familiares e também apresentamos o sistema de cadastramento, que vem com a foto de cada preso e a assinatura digital. Inicialmente o tribunal achou que não estávamos cumprindo a determinação, agora me informaram que o assunto foi superado e que estavam fazendo um précadastramento.

Outro problema, comum a vários outros estados, é a influência que facções criminosas podem exercer na votação dos presos. O TRE recebeu formulários zerados de cinco cadeias, ou seja, os presos não têm interesse em votar ou receberam ordens do tráfico para não solicitar o título.

A maior facção criminosa do Rio teria obrigado os presos provisórios da Cadeia Pública Romeiro Neto, em Magé, a não votar. Uma das hipóteses é a de que a ação serviria para evitar que o resultado das seções, quando publicado, estigmatizasse o candidato escolhido pelo tráfico de drogas. A facção, assim, descartaria os votos dos presos, já que giram em torno de 500 por unidade e não seriam decisivos. A lista do Presídio Ary Franco também veio vazia.

As outras três não responderam ou informaram que não dispõem da documentação.

¿ O direito ao voto do preso provisório faz parte da primeira Constituição da República.

A resolução deste ano determinou que esse tipo de voto aconteça. Reconhecemos as dificuldades, mas temos que superar os preconceitos. As normas constitucionais precisam valer para todos ¿ afirma a procuradora regional eleitoral do Rio, Silvana Batini.

Mesários serão escolhidos a dedo

A organização do dia da votação inspira cuidados. Os mesários serão indicados por órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública, e Ministério Público Estadual e Federal.

A propaganda será permitida por televisão e rádio, e o TRE estuda criar locais específicos para que os presos inscritos acompanhem os programas. As famílias poderão levar santinhos para seus parentes presos.

A fiscalização eleitoral também entrará nas unidades. A segurança será responsabilidade das unidades prisionais.

¿ Temos uma servidora que já sonhou até com uma rebelião lá dentro. Não era simpático a isso pela minha preocupação com essa influência maléfica dos segmentos criminosos.

Mas se só isso for levado em consideração, jamais iremos implantar esse processo ¿ resume Nametala Jorge.