Título: Loteria fúnebre
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2009, Cidades, p. 21

A cada ano no Brasil morrem 40 mil pessoas vítimas de desastres de trânsito. É quase o mesmo número de mortes dos Estados Unidos, que têm seis vezes mais veículos e uma população 60% maior que a nossa. Nossa tragédia não para aí. O trânsito produz mais de 700 mil feridos todos os anos, dos quais cerca de 150 mil com lesões irreversíveis. Um olhar mais aproximado mostra que um idoso de 70 anos tem probabilidade duas vezes maior de morrer atropelado que um adulto de 40 anos; os jovens do sexo masculino, entre 20 e 30 anos, morrem seis vezes mais no trânsito que as mulheres nessa faixa etária; o que mais mata crianças entre 5 e 14 anos é o trânsito. Somando custos médicos e previdenciários, prejuízos com perda de produção e danos materiais, a fatura chega a R$ 25 bilhões.

Uma parte dessa catástrofe é produzida por gente que bebe e dirige. São pessoas que trabalham, estudam, têm amigos, enfim, gente honesta. Muitos de nós já tomamos uns golinhos a mais e, felizmente, chegamos em casa sãos e salvos. Porém, as estatísticas mostram que alguns são sorteados para fazer parte da loteria fúnebre.

O álcool afeta negativamente a segurança do trânsito em três aspectos: a sobrevivência dos envolvidos em acidentes, a performance e o comportamento do condutor. Com relação ao primeiro aspecto, sabemos que uma pessoa ferida tem chance maior de morrer se ela tiver álcool no sangue. Um mesmo impacto geralmente causa mais ferimentos numa pessoa que bebeu e sua capacidade de reagir para viver diminui em função inversa da quantidade de álcool que ela ingeriu.

O segundo aspecto é a performance. O consumo de álcool reduz a percepção da velocidade e dos obstáculos, os reflexos, a habilidade de controlar o veículo numa curva, por exemplo. O motorista passa a dirigir mal. Ou seja, aumenta o risco de acidente. Além disso, o álcool diminui a visão periférica. E o terceiro aspecto ¿ o comportamento ¿ começa antes de o motorista entrar no carro. O álcool diminui as barreiras morais, faz perder a autocrítica. Da mesma forma que ele fala o que não deve, faz o que não deve atrás do volante. Pior: o alcoolizado começa a negligenciar riscos.

Juntando esses aspectos, dá para se ter uma ideia sobre o risco real de dirigir alcoolizado. A importância do controle, que deve ser severo e permanente, é, portanto, inquestionável. No Brasil, ainda estamos despreparados para controlar o álcool ao volante.

A ¿lei seca¿ foi um avanço, mas é preciso tirá-la do papel e levá-la para as ruas. Isso não significa apenas comprar bafômetros. É preciso educar a população sobre os riscos do álcool no trânsito. É fundamental agregar inteligência à fiscalização, treinar policiais para o manuseio dos aparelhos, técnicas de abordagem e aplicação da lei, criar um processo adequado no qual o cidadão tenha todas as garantias de defesa, mas o Estado impeça que irresponsáveis ameacem a segurança dos outros.