Título: Documento avançado
Autor: Lopes, Iriny
Fonte: O Globo, 14/06/2010, Opinião, p. 6

Nascido na esteira das profundas transformações ocorridas no país após o fim do regime militar, o Estatuto da Criança e do Adolescente completa duas décadas em 2010. Transformado na Lei 8.069, em julho de 1990, o ECA também é fruto da intensa mobilização que resultou na aprovação, pela Assembleia Geral da ONU, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, em novembro de 1989.

Imbuídos do espírito dos debates que resultaram na Constituição de 1988, milhares de representantes da sociedade civil e do poder público envolveram-se na elaboração do ECA. O documento é extremamente avançado quanto a suas concepções e seus princípios. Tanto que se tornou referência internacional em termos de legislação destinada a proteger e promover os direitos de crianças e adolescentes.

Contemporaneamente, duas questões são objeto de reflexões de pesquisadores, militantes e agentes públicos. Em primeiro lugar, o descumprimento de boa parte do que está previsto no ECA. A falta de efetividade e eficácia nas ações do Estado no tocante à implementação integral do estatuto, além de constituir, por si só, uma grave violação, acarreta inúmeras e dolorosas consequências.

A violência da qual são vítimas crianças e adolescentes é o principal efeito prático gerado pela não implementação do ECA. Nos últimos sete anos, de maio de 2003 até abril passado, o Disque Denúncia Nacional registrou mais de 123 mil notificações - número crescente devido à superação progressiva da cultura de subnotificação dos casos, o que contribui para mascarar a situação real.

Ao contrário do que o senso comum sugere, os episódios de violência ou criminalidade protagonizados por adolescentes correspondem a menos de 1% do total de ocorrências policiais. Ainda assim, uma pequena parcela da população tenta fazer prevalecer a ideia de que a redução da maioridade penal é solução. O desafio imediato que a sociedade brasileira tem diante de si é garantir que os governos cumpram efetivamente sua obrigação legal e moral de promover e proteger os direitos das crianças.

Além disso, também é necessário e urgente um amplo esforço por parte do Executivo e do Legislativo, no sentido da elaboração e execução de políticas públicas voltadas para juventude.

No governo Lula, foi criada a Secretaria Especial da Juventude, instituído o conselho nacional e, em 2008, realizada a 1ª Conferência Nacional de Juventude, que contou com a participação de 400 mil pessoas. Além disso, no PAC-2 estão garantidos investimentos na ordem de R$5,7 bilhões em políticas para jovens.

Existem questões que devem ser enfrentadas, como o extermínio de jovens, sobretudo negros e negras. O Pronasci deu um primeiro passo nesse sentido, mas podemos avançar mais e acolher as sugestões da conferência, valorizando o protagonismo juvenil. Afinal, são 50 milhões de jovens brasileiros, do meio urbano e do campo, que representam 26% da população.

Todas estas ações são coerentes e complementares às políticas públicas relacionadas à infância e à adolescência. Afinal, o ECA completa duas décadas de vida com os mesmos dilemas de um jovem nesta idade: fragilidades e pendências acumuladas no passado e incertezas quanto ao futuro.