Título: Pesquisa compara dois momentos de crise
Autor: Ribeiro, Fabiana; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 24/06/2010, Economia, p. 26

No levantamento recente, entretanto, turbulência externa não conteve avanço da renda

Cássia Almeida, Fabiana Ribeiro e Luciana Rodrigues

Os dois últimos levantamentos feitos pelo IBGE sobre os gastos das famílias foram a campo em momentos particularmente difíceis para a economia brasileira. A POF anterior, realizada entre os meses de julho de 2002 e junho de 2003, encontrou um país estagnado (a economia cresceu só 1,1% em 2003), com inflação em alta e que tentava se organizar após as turbulências financeiras pré-eleitorais, quando o dólar chegou a bater R$ 3,99. Ainda em 2002: a taxa de desemprego era de 9,2% e os brasileiros amargaram uma perda de renda de 2,6%.

Desta vez, o período de investigação da POF ¿ maio de 2008 a maio de 2009 ¿ coincidiu com a maior crise internacional desde a Grande Depressão (1929), que levou o país a uma recessão de 0,2% em 2009, no primeiro recuo da economia desde o Plano Collor, em 1992. Mas, antes de os efeitos da crise externa se abaterem de forma mais intensa sobre a economia brasileira, o desemprego médio do país em 2008 recuara para 7,2%, e os trabalhadores obtiveram, naquele ano, um ganho de renda de 1,7%, no quarto ano seguido de avanços nos rendimentos.

¿ As comparações são entre duas crises. Mas, na POF mais recente, apesar de terminar numa outra crise, é um período muito bom, em que a crise externa não impediu avanços na distribuição de renda ¿ diz Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas.

A inflação também fez diferença.

Entre julho de 2002 e junho de 2003, os preços da economia subiram em média 16,3%. Na POF mais recente, a alta da inflação foi significativamente menor ¿ 5,4%.

`Biênio 2008/2009 foi pior que 2002/2003` Para Marcia Quintslr, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, que gerenciou a POF, a melhoria na percepção das famílias brasileiras, observada no último levantamento, reflete a situação mais desfavorável de 2003, quando a taxa de desemprego chegou a superar os 10%: ¿ Naquele ano, o rendimento era menor (R$ 888, contra R$ 1.041 em 2008, último dado disponível). A pesquisa está refletindo a situação pior da economia naquela época.

Para Fernando Gaiger Silveira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o biênio 2008/2009 foi particularmente ruim e, em termos relativos, pior do que o período 2002/2003.

¿ Os anos de 2002 e 2003 foram de crise, mas não tão piores do que o cenário econômico desse período (início da década 2000). Já o biênio 2008/2009 foi absolutamente atípico dentro de um período de bonança para a economia brasileira ¿ diz Gaiger.

Segundo o IBGE, o fato de o período entre as duas pesquisas praticamente coincidir com os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se explica pelas dificuldades orçamentárias enfrentadas para realizar a POF.

Intervalo mínimo entre as pesquisas deve ser de 5 anos De acordo com Marcia Quintslr, as pesquisas de consumo devem ser realizadas, no mínimo, com um intervalo de cinco anos, seguindo as recomendações internacionais: ¿ O nosso esforço foi para realizar a pesquisa nesse intervalo de cinco anos e, assim, perseguir a recomendação internacional.

Não conseguimos, por um ajuste de orçamento e de recursos. Mas estamos trabalhando para realizar a POF num modelo simplificado e, daqui a cinco anos, novamente nesse formato maior.