Título: Livres, mas isolados
Autor: Guilayn, Priscila
Fonte: O Globo, 14/07/2010, O Mundo, p. 27

Presos políticos cubanos chegam a Madri controlados por esquema de segurança

Poucas palavras e todas muito diplomáticas na chegada de sete presos políticos cubanos à Espanha. Os dissidentes aterrissaram ontem no aeroporto madrilenho de Barajas, acompanhados de funcionários do Ministério de Relações Exteriores e protegidos por um esquema de segurança que não encaixava com seu status de imigrante. Oficialmente, eles não abandonaram Havana como exilados, nem Madri cogita reconhecê-los como refugiados políticos. No entanto, não foi permitido sequer que uma Dama de Branco, parte ativa da luta pela liberação do Grupo dos 75, do qual fazem parte, se aproximasse deles. Mais quatro dissidentes devem chegar hoje à Espanha.

- Isso não pode ser visto como uma liberação. Vieram presos em um avião e agora estão presos dentro de uma sala. Há sete anos não nos vemos e não me deixam sequer cumprimentá-los - diz Blanca Reyes, uma das fundadoras do movimento de mulheres pela liberação de presos políticos cubanos e esposa do poeta dissidente Raúl Rivera. - Eles não receberam o status de exilados. São imigrantes, como eu também sou. Mas nem eles nem eu podemos entrar em nosso país.

Aprumados e engravatados, eles fizeram o "V" da vitória em homenagem ao triunfo da seleção espanhola na Copa do Mundo. Foi uma maneira delicada de encerrar a breve entrevista coletiva, na qual o ministério só permitiu duas perguntas. Ricardo González Alfonso, de 60 anos, preferiu não entrar em detalhes sobre as condições nas quais eles teriam saído de Havana:

- Não nos consideramos manipulados. Em um processo de diálogo há quem cede de um lado e quem cede do outro. Somos a via de um caminho que pode ser o começo de uma mudança. Cada um tomou o caminho que achou mais conveniente. Uns ficaram na Ilha, outros emigraram. O exílio para nós é a prolongação da luta.

Alojamento em hotel distante do centro

As palavras de González foram consideradas "um discurso" pela escritora cubana Zoe Valdéz, que mora em Paris há 15 anos. Ela viajou a Madri para recepcionar os dissidentes e, depois de muito argumentar que também era jornalista, conseguiu entrar na sala da entrevista. Não pôde, no entanto, como nenhum repórter, aproximar-se dos 26 familiares dos opositores, isolados em um canto do estacionamento do aeroporto.

- É um discurso diplomático que eles têm que fazer. É bom que estejam em liberdade, mas que liberdade é esta? Não podem sequer andar livremente pelo aeroporto! Estão completamente controlados - opinou Valdéz.

González diz acreditar que o governo cubano deu "um passo, não foi o primeiro e não será o último", em direção a uma mudança: - Uma palavra se dirige a Cuba e é a palavra mudança. Cada um vê mudança de uma maneira diferente e assim deve ser, porque quando há unanimidade de critérios é sinal de que não há critérios. Para nós a palavra mudança começa pela liberdade de todos os cidadãos cubanos, pensem como pensem.

A liberdade é algo que Alejandro González Raga, também integrante do Grupo dos 75, experimenta há dois anos.

- Evidentemente tiveram que assinar um documento explicitando sua condição de imigrante. Mas, tenha o status que tenha, é igualmente um desterro - diz Raga, recebido na Espanha, em 2008, como refugiado político. - Não se pode perguntar a uma pessoa com uma pena de 20 anos se quer a liberdade ou permanecer na prisão... É claro que optará pela liberdade.

Ricardo González Alfonso, Julio Cesar Gálvez Rodríguez, Pablo Pacheco Ávila, Omar Ruiz Hernández, Augusto Villareal Acosta, José Luis García Paneque e Lester González Pentón são os sete primeiros a serem soltos, após a negociação entre a Igreja Católica, a Espanha e Cuba. Sua chegada a Madri foi ignorada pela imprensa cubana. O combinado é que os demais presos do Grupo dos 75 sejam soltos em quatro meses.

Ao descer do avião, os sete foram conduzidos diretamente à Sala de Autoridades, com o secretário de Estado para Iberoamérica, Juan Pablo de Laiglesia, que, depois de afirmar que todos "optaram por vir à Espanha", passou a palavra a Julio Cesar Gálvez Rodríguez, de 66 anos, avisando que o recém-liberado leria um comunicado.

- Atrás ficaram 45 presos de consciência em prisões, assim como em hospitais. Uns na espera de sua vinda à Espanha, outros que não querem abandonar a terra que os viu nascer - leu Gálvez. - Chegar à terra de nossos antepassados significa um início de uma nova etapa para o futuro de Cuba e de todos os cubanos.

A Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado e a Cruz Vermelha serão responsáveis por suprir suas necessidades básicas. Eles são acolhidos sob o status de "imigrantes em situação de vulnerabilidade". Do aeroporto, eles foram levados a um hotel num bairro dormitório, sem comércio ou a agitação que marcam a capital espanhola. Foram alojados em quartos com três ou quatro camas, com dois chuveiros por andar.

- Sinto-me um pouco estranho. Nos explicaram que vamos ficar três dias aqui - contou Lester González.

Segundo o chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos, o governo de Cuba disse que vai libertar todos os presos políticos, e não só os integrantes do Grupo dos 75. Agora será necessário analisar quantos se enquadram na categoria. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, após a libertação dos 52 ainda restarão 115 presos de consciência.