Título: Gastos sem fim
Autor: Pereira, Daniel; Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2009, Política, p. 2

Alvo de investigação no Senado, a folha com terceirizados aumentou 82,8% entre 2004 e 2008 na Câmara. Já a despesa com estágio cresceu 340%.

Suspeita de abrir brecha para nepotismo, trabalhadores fantasmas e enriquecimento ilícito de diretores no Senado, a contratação de mão de obra terceirizada também ganhou fôlego na Câmara nos últimos anos. É o que revela uma pesquisa realizada pelo Correio num banco de dados oficial sobre execução orçamentária. Segundo o levantamento, a Casa gastou R$ 92,9 milhões com pessoal de ¿apoio administrativo, técnico e operacional¿, ¿limpeza e conservação¿, ¿vigilância ostensiva¿ e ¿manutenção e conservação de bens imóveis¿ só em 2008. O valor é 82,8% maior do que o liberado em 2004. No mesmo período, no entanto, a inflação oficial registrada foi três vezes menor, ficando em 26,79%.

Os deputados também patrocinaram um aumento das despesas com estagiários, outra área que é considerada caixa-preta no Senado, devido ao potencial para abrigar parentes de parlamentares e de servidores graduados. Entre 2004 e 2008, os gastos saltaram de R$ 454,8 mil para R$ 2 milhões. Ou seja, houve um crescimento de 340%. Confrontados com os números, deputados que integraram em diferentes legislaturas a Mesa Diretora da Câmara disseram que sempre tomaram medidas a fim de cortar o orçamento da Casa. Além disso, adotaram como estratégia jogar a responsabilidade pela fatura salgada nos antecessores.

¿Esta Mesa já reagiu a esses números. Concordamos em reduzir custos e rever contratos. É uma atitude ofensiva aos excessos, além da adoção de uma postura de economia¿, diz o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), segundo vice-presidente da Câmara. Já o primeiro-secretário da Casa, o tucano Rafael Guerra (MG), reforça a operação pente-fino nos contratos e anuncia que não haverá renovações contratuais em caráter de emergência. Ele promete ainda uma economia de R$ 298 milhões em recursos neste ano, o que equivale a cerca de 8% do orçamento reservado aos deputados para 2009: R$ 3,5 bilhões. Para atingir tal meta, Guerra informa que 8,3% dos terceirizados serão demitidos até dezembro.

Corte ¿Vamos reduzir a folha da terceirização. Minha ideia é reverter essa economia no financiamento a projetos sociais, como o treinamento de professores da rede pública. Seria a chance de a Câmara transformar a redução dos gastos em algo benéfico para a população¿, declara Guerra. Entre janeiro e sexta-feira passada, quatro dias antes do encerramento do primeiro semestre deste ano, os gastos da Casa com ¿apoio administrativo, técnico e operacional¿, ¿limpeza e conservação¿, ¿vigilância ostensiva¿ e ¿manutenção e conservação de bens imóveis¿ foram de, respectivamente, R$ 23 milhões, R$ 6,3 milhões, R$ 707 mil e R$ 3,3 milhões. Mantido o ritmo no segundo semestre, haverá uma diminuição das despesas na comparação com o ano passado. A conferir.

Titular da Primeira-Secretaria entre 2007 e 2008, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-RS) rechaça a possibilidade de assumir o ônus pela escalada dos custos. ¿Nossa gestão sempre tentou apertar os cintos. Freamos os gastos que estavam crescendo, e acho que a estratégia surtiu efeito¿, diz o peemedebista. Sob a batuta dele e do então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), a conta com ¿manutenção e conservação de bens imóveis¿, por exemplo, caiu de R$ 15 milhões em 2007 para R$ 12, 7 milhões em 2008. Este valor, no entanto, é maior do que os R$ 12 milhões desembolsados em 2006 e supera em 164% a quantia paga em 2004 (ver quadro).

Já a fatura de ¿apoio administrativo, técnico e operacional¿ passou de R$ 46,6 milhões em 2007 para R$ 58,8 milhões em 2008. Em 2006, antes de Serraglio e Chinaglia integrarem a Mesa, o desembolso foi de R$ 34,5 milhões. Dois anos antes, ficou em R$ 30,8 milhões. No caso dos estagiários, a maior expansão percentual de custos foi registrada no fim de 2005, quando a despesa chegou a R$ 1 milhão. Naquele ano, a Casa teve dois presidentes: Severino Cavalcanti (PP-PE), que renunciou na esteira do escândalo do mensalinho, e Aldo Rebelo (PCdoB-SP), cujo mandato acabou em fevereiro de 2007.

O dono do caixa

A Primeira-Secretaria é considerada o principal cofre da Câmara. Estão sob sua responsabilidade os serviços administrativos da Casa, incluindo contratações, contratos e licitações. Também é atribuição do primeiro-secretário decidir sobre recursos contra atos do diretor-geral e ratificar as despesas realizadas por diferentes setores.

Gastos com estagiários

Evolução de pagamentos ano após ano

2004 R$ 454,8 mil

2005 R$ 1 milhão

2006 R$ 1,1 milhão

2007 R$ 1,6 milhão

2008 R$ 2 milhões

Fonte: Execução Orçamentária

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Análise da notícia Uma longa caminhada

A Câmara pretende economizar cerca de 8% de seu orçamento previsto para 2009. Números parciais sinalizam que tal objetivo será cumprido. A se confirmar a previsão, os deputados responderão a uma demanda recorrente da sociedade. Mas darão apenas um pequeno passo na necessária jornada destinada a enxugar os gastos do Legislativo. Hoje, as despesas anuais superam a receita de grandes prefeituras e são infladas. Seja pela distribuição de cargos e favores a políticos e parentes de servidores graduados, seja pelo superfaturamento de contratos. Por isso, mesmo que haja uma redução de custos de R$ 300 milhões, restará muita gordura a ser queimada. O desafio da Casa é terminar o serviço. Até para lustrar um pouco a imagem, para lá de desgastada, diante dos eleitores. (DP)