Título: O veto de FH
Autor: Camarotti, Gerson; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 27/08/2010, O País, p. 10

Desde que os civis retornaram ao poder, mais difícil do que escolher o nome do candidato a presidente tem sido definir o vice da chapa. Foi assim ainda na eleição de Tancredo Neves e continua sendo até hoje. E que o diga o candidato José Serra, que, de tanto procurar entre os brancos, acabou escolhendo um vice totalmente aborígene, em todos os sentidos.

Tancredo Neves queria Marco Maciel, mas teve de escolher Sarney. Quando Maciel aceitou, aí era o candidato Fernando Henrique Cardoso que não o queria.

O ano de 1994, definitivamente, não foi bom para os vices. Os senadores José Paulo Bisol, vice de Lula, e Guilherme Palmeira, de FH, foram abatidos por denúncias e tiveram de renunciar.

Bisol ficou sangrando até o PT trocá-lo por Mercadante. Com Palmeira, a operação foi rápida. Mas a escolha de outro nome quase implodiu a aliança do PSDB com o PFL, hoje DEM.

Fernando Henrique aceitava qualquer nome, menos o de Marco Maciel. Não havia argumento convincente nesse veto. O candidato tucano queria Luís Eduardo Magalhães, mas este não aceitava de jeito algum. Quem mandava no PFL era Jorge Bornhausen e o próprio Luís Eduardo. Os dois estavam fechados com Maciel.

Numa terça-feira, 2 de agosto, FH desembarcou em Brasília disposto a dar um chega pra lá no principal partido aliado.

¿ Não aceito imposições ¿ avisou ao comando do PFL que, naquela noite, teria que decidir o nome do vice.

Quando soube que a reunião seria na casa do próprio Marco Maciel, Fernando Henrique ficou apavorado.

E, num gesto supremo de desespero, FH, instado pelo então presidente do PSDB, Pimenta da Veiga, cometeu a imprudência de invadir a reunião onde seus aliados conspiravam contra ele. Entraram pelos fundos, mas acabaram sendo convenientemente barrados e confinados no escritório, enquanto o pau comia na sala.

Quando Sérgio Motta, o terrível coordenador da campanha, descobriu que FH estava lá na toca do leão, não teve dúvidas:

¿- Esse Pimenta da Veiga só faz merda.

Serjão invadiu também a casa, perguntou onde estavam ¿aqueles dois idiotas¿, referindo-se ao candidato e ao presidente do PSDB. Correu para o escritório, passou descompostura nos dois, mas, como sempre, calou-se quando FH o devolveu ao seu lugar:

¿ Cala a boca, Serjão. Vamos tentar ouvir o que eles estão tramando.

Veio a resposta de que as coisas se afunilavam para Luís Eduardo ou Marco Maciel.

--- O Alemão (Bornhausen ) está irredutível: ou Marco ou Luís Eduardo ¿ disse-lhe um informante.

¿ Implore para o Luís Eduardo aceitar, por favor! ¿ pediu FH.

¿ Ele já disse que não aceitou quando o senhor estava só com 16% e que não aceitará agora que o senhor está com 30 ¿ devolveu o informante.

FH insistiu:

¿ Escreve aí o nome de Krause e entregue ao Bornhausen. Eu não aceito Marco Maciel. Que exploda então essa aliança.

O informante foi, mas voltou rápido:

¿ Já escolheram! É o Marco Maciel.

FH soltou um palavrão desses de ruborizar Lula e Geddel Vieira Lima. A porta do escritório se abriu e entrou o próprio Maciel. De braços abertos, FH:

¿ Eu torci tanto por isso. Desta vez, Marco, você não conseguiu escapar.

Nunca se viu, mais tarde, um vice tão fiel como Marco Maciel. Só para vocês terem uma ideia, quando ACM peitou FH pela enésima vez, Marco Maciel, com leveza e suavidade, quase que sussurrando, disse ao presidente:

¿ Se o senhor não demitir agora os ministros do Antônio Carlos, o senhor perde a sua autoridade de presidente da República. E aí, nem o motorista te obedece.

Hoje, quando alguém brinca com FH sobre sua volta ao poder, ele responde:

¿- Só se eu tiver Marco Maciel de vice.