Título: Economia com fôlego para crescer
Autor: Almeida, Cássia; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 04/09/2010, Economia, p. 23

PIB sobe 1,2%, acima das projeções. Investimento é recorde

Cássia Almeida, Fabiana Ribeiro e Clarice Spitz

Os números da economia brasileira no segundo trimestre surpreenderam positivamente o mercado. Depois dos recordes registrados no início do ano, a desaceleração foi mais branda que o esperado. O Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) cresceu 1,2%, frente ao primeiro trimestre, já descontados efeitos sazonais, embalado principalmente pela indústria e por um avanço dos investimentos, informou ontem o IBGE. Analistas projetavam uma alta entre 0,4% e 1% no PIB. Frente ao mesmo período de 2009, o crescimento foi de 8,8%, ligeiramente abaixo dos 9% do trimestre anterior.

No primeiro semestre, o PIB cresceu 8,9%, a maior alta dos últimos 14 anos, quando começou a série histórica do IBGE. Com o crescimento acima do previsto da economia brasileira, consultorias e bancos já começam a revisar suas contas e projetam um PIB de até 8% este ano. E, mesmo que a economia brasileira fique parada até o fim do ano, só o desempenho do primeiro semestre já garante uma expansão do PIB de 7% em 2010.

- O crescimento do PIB está ligado ao desempenho positivo da demanda interna. Essa pequena desaceleração veio por conta da base de comparação mais elevada. A indústria junto com a agropecuária explicam a expansão - afirmou Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais Trimestrais do IBGE.

A formação bruta de capital fixo, que indica o investimento dos diferentes setores da economia para ampliar sua capacidade de produção, avançou 26,5% na comparação com o segundo trimestre do ano passado, na maior alta em 14 anos. Com isso, os investimentos responderam por mais da metade da expansão do PIB nessa comparação, que foi de 8,8%. Todos os componentes do investimento - produção interna, importação de máquinas e equipamentos e construção civil - aumentaram. Esse último setor também registrou taxas recordes de abril a junho. A construção cresceu 16,4% frente ao segundo trimestre do ano passado, impulsionada pelo crédito e pelas contratações de trabalhadores.

- Apesar de ter mais que recuperado as perdas com a crise, é lógico que a expansão de 26,5% dos investimentos está inflada pela queda de 16% (recorde negativo) no segundo trimestre de 2009 - disse Rebeca.

Na avaliação de Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Unicamp, os números de investimentos apontam para um crescimento sustentável por mais tempo, dando mais fôlego à economia brasileira.

-- E isso é uma consequência do próprio consumo dos brasileiros, que também induz ao investimento. O cenário sugere que o país entra num ciclo mais longo de crescimento. E nesse ano, com a economia avançando 7% ao menos, o país estará entre os cinco que mais crescerão no mundo, ao lado de China e Índia.

Consumo doméstico cresce 12,4%

A demanda doméstica, responsável pelo período de expansão recente, continua crescendo. Subiu 12,4% (no trimestre anterior ficara em 11,9%). A demanda externa, por sua vez, foi negativa em 3,3%. Ou seja, o consumo do país foi maior que a produção e precisou ser suprido pelas importações, que avançaram 4,4% contra o início do ano e 38,8% na comparação com o segundo trimestre de 2009.

- Boa parte das importações foi de máquinas e equipamentos, que serviu para investimentos. Estamos com câmbio valorizado e é óbvio que isso aumenta as importações - afirmou Rebeca, do IBGE.

Para Alexandre Maia, economista-chefe da GAP Asset, os números recordes do primeiro semestre, o melhor em 14 anos, mostram um momento único no Brasil:

- Nunca tivemos na história recente um crescimento tão forte com inflação perto de 5%, não muito distante do centro da meta.

Crescimento semelhante ao esperado para 2010 (acima de 7%) se iguala ao período do Plano Cruzado. Mas em 1986, quando o PIB cresceu 7,5%, a inflação foi de 79,66%.

Na demanda interna, enquanto o consumo das famílias perdeu fôlego, as despesas do governo avançaram e ficaram acima das expectativas. Os gastos dos consumidores saíram de um avanço de 1,4% no primeiro trimestre para 0,8% no segundo trimestre (em relação aos três meses anteriores). Já as despesas do governo aceleraram de 0,8% para 2,1%.

- Com os incentivos tributários (no primeiro trimestre) veio alguma antecipação de consumo. Era lógico que o consumo das famílias iria desacelerar no segundo trimestre - disse Armando Castelar, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

No 3º trimestre, expansão mais lenta

Com o consumo em ritmo mais lento, aumentou a poupança na economia. A taxa de poupança ficou em 18,1% do PIB, bem acima dos 16% do segundo trimestre do ano passado.

Castelar chama a atenção para a aceleração dos gastos do governo, mesmo em período pré-eleitoral. A alta foi de 5,1% contra o mesmo período do ano passado. Os impostos também cresceram fortemente nessa comparação. A alta de 12,6% veio com o bom desempenho da indústria e do imposto de importações.

A formação de estoques também contribuiu para o crescimento de 8,8% no PIB frente ao mesmo período do ano passado. Como em 2009 a economia estava queimando seus estoques acumulados antes da crise, esse indicador ainda continuará por todo o ano de 2010 contribuindo positivamente para o PIB, de acordo com economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero. A formação de estoques representou 3% do PIB.

Com o crescimento forte do PIB no segundo trimestre, analistas preveem uma desaceleração da economia entre julho e setembro. A expectativa é de que o PIB tenha alta próxima a 0,5%, frente ao segundo trimestre, já descontados efeitos sazonais.