Título: Economia estrangulada
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 07/07/2009, Mundo, p. 16

Isolamento do país compromete exportações e importações de toda a região. Governo de fato denuncia invasão militar da Nicarágua, que recomenda a Washington ¿castigar os golpistas¿

Um país, dois presidentes e nenhum acordo. Uma semana depois de o presidente Manuel Zelaya ter sido deposto por congressistas e militares, Honduras continua em um impasse. A comunidade internacional exige o retorno do presidente constitucional, mas a vida segue sob o governo do presidente interino, Roberto Micheletti. Enquanto a pressão internacional não dá resultados, duas respostas se desenham: uma militar e outra econômica.

Micheletti advertiu ontem o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, de que soldados do país vizinho estariam tentando chegar à capital hondurenha, Tegucigalpa, sem autorização. O presidente interino pediu ¿respeito à soberania¿ de seu país e ameaçou com uma resposta militar caso tropas estrangeiras realizem algum tipo de incursão no território. Ortega negou terminantemente a acusação. ¿Juro perante Deus que a Nicarágua não está deslocando tropas para Honduras. Isso não é mais do que uma manobra dos golpistas, apoiada pela (rede de TV americana) CNN¿, contra-atacou.

O jornal hondurenho El Heraldo noticiou que moradores da região de El Paraíso, no leste do país, afirmaram ter visto militares supostamente da Nicarágua e da Venezuela tentando cruzar a fronteira em ¿pontos cegos¿, sem vigilância militar. ¿Havia tanques estrangeiros de pequeno porte, mas chegaram os militares das Forças Armadas de Honduras e eles se foram¿, escreveu o jornal. A publicação alega que Ortega, como aliado de Zelaya e integrante da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), estaria ameaçando com uma intervenção militar.

¿Se a OEA não resolve, pois a Alba terá de resolver, de buscar a solução para que o presidente Zelaya retorne a Honduras, ainda que não queiramos chegar a esse extremo¿, declarou Ortega. O governante nicaraguense sustentou também que os EUA deveriam ¿castigar Honduras¿ desmantelando a base militar (1) que mantêm no país, a 70km ao norte da capital.

Como principal parceiro comercial do país centro-americano e credor de mais de US$ 600 milhões, os EUA também poderiam adotar sanções econômicas e sociais, ideia descartada pelo vice-presidente do Conselho Hondurenho da Empresa Privada (Cohep), Alejandro Alvarez. ¿Preferimos seis meses de sanções a dez anos de ditadura ao estilo chavista¿, disse Alvarez. Ele revelou que sua entidade já dispõe de um plano de contingência, que poderia incluir corte de salários e redução de importações. O Cohep calcula que o fechamento das fronteiras já causou prejuízos da ordem de US$ 20 milhões aos países da região.

Entreposto ¿Fazer um bloqueio econômico danificaria não só a economia de Honduras, mas também a dos vizinhos. Somos um forte mercado consumidor dos produtos que eles fabricam¿, explicou ao Correio o engenheiro hondurenho Hugo Sandoval, especialista em negócios e finanças. Ele acrescentou que Honduras tem o principal porto para escoamento de mercadorias de outros países centro-americanos com destino à Europa e aos EUA. ¿De Puerto Cortés saem 46% das exportações da Nicarágua e entram 30% de suas importações¿, exemplificou.

Outras entidades financeiras acenaram com bloqueio econômico. ¿O Banco Mundial decidiu fazer uma pausa em seus empréstimos até que se encontre uma solução para a crise¿, disse o porta-voz do Banco Mundial (BM), Sergio Jellinek. O BM financia atualmente 16 projetos no país, no montante de US$ 400 milhões. Deste total, US$ 270 milhões ainda não foram liberados e ficarão congelados.

¿Honduras é muito dependente da ajuda dos Estados Unidos, do Banco Mundial e de petróleo. O novo governo não tem possibilidade de durar dois ou três meses¿, avalia o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que acompanha o presidente Lula em visita a Paris.

1 AQUARTELADOS A base de Soto Cano é produto da presença militar americana em Honduras nos anos 1980, quando a CIA operou de lá para desestabilizar o regime sandinista na Nicarágua. Desde o golpe contra Manuel Zelaya, há 10 dias, o comando da base proibiu os soldados de deixarem o recinto, para evitar qualquer tipo de envolvimento. A Casa Branca condenou o golpe e faz coro com a região pela volta de Zelaya ao governo.

Hillary com Zelaya

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, deve se encontrar hoje com o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya. O porta-voz Ian Kelly afirmou que Zelaya chegará hoje a Washington e será recebido por ¿altos funcionários¿ do Departamento de Estado ¿ ele não descartou a presença da própria Hillary. Por outro lado, Kelly ressaltou que as autoridades não se reunirão com a comitiva diplomática enviada pelo governo interino de Honduras, que também chega hoje à capital americana. O presidente de fato, Roberto Micheletti, tenta reverter a decisão da OEA de não reconhecer seu governo.

¿Não sabemos se eles vêm, mas se essa delegação representa o regime de fato, o Departamento de Estado não os receberá. Esse é um regime que não reconhecemos¿, reafirmou. ¿Nosso objetivo continua sendo a restauração da ordem democrática em Honduras, e renovamos nosso pedido aos atores políticos e sociais para que encontrem uma solução pacífica para a crise¿, afirmou Kelly.

Em Paris, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou que o melhor mediador para a crise em Honduras é a OEA, e esclareceu que o Brasil não está se oferecendo para o papel. ¿Nós não nos oferecemos para mediar nada¿, disse em entrevista à BBC Brasil. Para Lula, ¿para ter legitimidade¿, qualquer mediador da crise hondurenha deve ser chamado diretamente pelas partes envolvidas.

O presidente brasileiro se disse preocupado com a possibilidade de que a crise política em Honduras se torne mais violenta. Um rapaz de 19 anos foi morto nas manifestações de domingo, quando Zelaya tentou retornar ao país. Na avaliação de Lula, Zelaya cometeu um erro ao escolher o fim de semana. ¿Era previsível que não iam deixar¿, comentou, para insistir depois no diálogo político. ¿Precisamos procurar uma interlocução, não com os golpistas mas com personalidades¿ da sociedade civil hondurenha.

Qualquer autoridade ilegítima conduzirá um processo eleitoral ilegítimo. Quanto antes o presidente (Zelaya) voltar, melhor

Celso Amorim, chanceler do Brasil

Memória Quase um videoteipe

Silvio Queiroz

A fronteira entre Honduras e Nicarágua foi território quente na fase final da Guerra Fria, que opôs por quatro décadas os Estados Unidos e a hoje extinta União Soviética. Nos anos 1980, o território hondurenho foi a principal base de operações dos grupos armados que combatiam o governo de esquerda instalado na Nicarágua com a vitória da guerrilha sandinista sobre o ditador Anastacio Somoza, em 1979. Os ¿contras¿ (de contrarrevolucionários), como ficaram conhecidos, tiveram apoio financeiro, logístico e militar dos EUA, mesmo durante um período em que o Congresso americano proibiu explicitamente qualquer ajuda oficial.

Por coincidência e ironia, passadas duas décadas é novamente Daniel Ortega quem preside a Nicarágua ¿ agora levado ao poder pelas urnas ¿, e o adversário é a mesma direita hondurenha, aliada na ocasião ao governo conservador de Ronald Reagan. Eleito com um discurso duro contra as ¿humilhações¿ sofridas pelo antecessor Jimmy Carter na América Central e no Irã, Reagan transformou em ponto de honra a tarefa de minar os esquerdistas nicaraguenses.

Para fazê-lo, no entanto, teve de recorrer a operações secretas para burlar o Congresso. Elas consistiam em desviar para os ¿contras¿ fundos obtidos com a venda clandestina de armas para o Irã, adversário frontal de Washington na época sob embargo de material bélico por causa da guerra contra o Iraque de Saddam Hussein. A descoberta das operações deflagrou o escândalo Irã-contras, que só não colocou Reagan nas cordas graças à maioria sólida de seu partido na Câmara.