Título: Mania de grandeza
Autor: Wegnast, Tim
Fonte: O Globo, 29/10/2010, Opinião, p. 7

Tudo indica que o progresso está logo ali, a aproximadamente sete mil metros abaixo do nível do mar. Finalmente o país poderá livrar-se do carma de eterno ¿país do futuro¿, tornandose um verdadeiro global player. A euforia é tamanha que o governo liberou o fundo de garantia para a capitalização da Petrobras. O diretorfinanceiro da empresa, Almir Barbassa, evoca o nirvana desenvolvimentista, prevendo a industrialização brasileira no encalço do petróleo.

Enfático, o presidente Lula pede mania de grandeza à população.

Não pretendo ser estraga-prazer. No entanto, observa-se que a maior parte dos membros da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é mais pobre hoje que há trinta anos. As causas para essa chamada ¿maldição do óleo¿ são distintas. Petróleo, gás natural ou diamantes podem instigar a violência interna e gerar guerras civis.

Além disso, os mencionados recursos naturais são empregados para legitimar regimes autoritários, a exemplo do Irã, além de debilitarem as democracias novas, caso da Rússia e da Venezuela.

Estamos muito longe de um conflito armado. O retorno ao autoritarismo também é pouco provável. No entanto, o risco de outras mazelas pós-sal é latente. O vírus da ¿doença holandesa¿, por exemplo, representa uma real ameaça ao país. Inicialmente observado na Holanda dos anos 60, o termo designa a relação entre a crescente exportação de recursos naturais e a sobrevalorização da moeda local, ocasionando um declínio nos setores manufatureiros e agrícolas, entre outros.

Para os mais otimistas, convencidos de que ¿pior do que está não fica¿, vale lembrar duas constantes da história nacional: a (falta de) educação e a corrupção.

Às portas do jardim pré-salino, o governo não depende de uma ampla mão de obra qualificada, servindo uma economia dinâmica e diversificada, para usufruir de farta renda. É mais simples extrair a riqueza nacional do fundo do oceano que das mentes da população. Pesquisas desenvolvidas por mim e por outros colegas corroboram a ideia de que exportadores de matérias-primas investem menos em ensino.

Conhecendo certas fragilidades institucionais do sistema político brasileiro, é de se temer, também, que o abastecimento dos cofres públicos através da fortuna petrolífera solidifique o fundamento de práticas clientelistas.

A famigerada corrupção política contará com um novo patrocinador que poderá estimular a troca de privilégios privados por lealdade partidária.

Imagine o leitor um mensalão em plena era pós-sal. A Petrobras anda mais capitalizada que nunca...

Como se tudo isso não bastasse, ainda há a preocupação com o meio ambiente.

De acordo com um estudo da Universidade de Adelaide, na Austrália, o Brasil conta com o pior impacto ambiental entre os 179 países analisados. Não é de se esperar que o governo sofra um repentino surto de consciência ecológica ao explorar a Bacia de Santos. As recentes imagens da catástrofe causada pela BP no Golfo do México trazem mau agouro.

Se me perguntassem, diria para deixarem o petróleo onde está, no fundo do mar. Entretanto, reconhecendo a ingenuidade de um apelo que está muito aquém da realidade nacional, contento-me em listar algumas poucas providências cabíveis. Uma reforma política que reforçasse a accountability dos governantes, por exemplo, ajudaria a conter uma corrupção ainda mais grassante. Para tentar promover o mínimo de transparência no gerenciamento do petróleo, o governo deveria intensificar a participação em iniciativas internacionais como a Extractive Industries Transperancy Initiative.

A criação de um fundo nacional que atenue os riscos macroeconômicos causados pela volatilidade do petróleo nos mercados internacionais e proteja o real de uma possível sobrevalorização seria igualmente importante. O Fundo Soberano do Brasil, fundado em 2008, pode ser um começo. Porém, precisa incorporar outras funções, como a regularização da distribuição indireta da renda petrolífera para a população ou a garantia de um fluxo sustentável para gerações futuras.

Frente às ambições do pré-sal, tenho as minhas dúvidas de que as medidas apontadas possam garantir um desenvolvimento economicamente viável, ecologicamente equilibrado, justo do ponto de vista social e intergeneracional.

Contudo, ainda distante da vacilante ilusão petrolífera, gostaria de pedir ao futuro presidente da República que cultive suficiente mania de grandeza para melhorar o ensino, reduzir a pobreza, combater a corrupção e conservar o meio ambiente.

Imagine um mensalão pós-sal. A Petrobras anda mais capitalizada do que nunca...

TIM WEGENAST é doutor em Ciências Políticas.

NOTA DA REDAÇÃO: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço em novembro.