Título: Pressão forte no Parlamento
Autor: Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2009, Política, p. 9

Cerca de 2 mil prefeitos estão em Brasília para pedir agilidade na aprovação da PEC dos Precatórios. Mas credores querem mudanças no texto. Eva Pacheco (d), ao lado da amiga Inis: professora aposentada não sabe quanto tem direito a receber

A professora aposentada Eva Alves Pacheco, de 70 anos, não sabe quanto tem a receber do governo do Distrito Federal por uma dívida datada dos anos 1980. Em 2002, o valor de seu precatório ¿ dívida imposta à administração pública por meio de uma decisão judicial definitiva ¿ era de cerca de R$ 8 mil, mas desde então a quantia não foi atualizada. Como outros milhares de professores do DF, Eva espera pelo acerto de contas, que recuperaria uma perda salarial sofrida devido aos planos econômicos Bresser e Collor. ¿Esperança a gente sempre tem, mas está difícil. Ouvi dizer que estão criando um projeto para dar calote nesses precatórios¿, diz Eva, moradora do Núcleo Bandeirante, onde deu aula até o início da década de 90.

O uso da expressão ¿calote¿ não é à toa. Foi idealizado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) descontentes com a inadimplência de estados e municípios no pagamento de precatórios. Hoje, as dívidas seriam de cerca de R$ 100 bilhões. Pelo menos a metade do valor seria relacionada a direitos trabalhistas, os quais são considerados fundamentais para a sobrevivência dos credores. O coro de protesto contra o ¿calote¿ voltou a ganhar corpo devido à proposta de emenda constitucional (PEC) sobre o assunto em tramitação no Congresso. Aprovado pelo Senado, o texto dá a estados e municípios o direito de não pagar integralmente suas dívidas imediatamente, como exige a Constituição.

A proposta ainda prevê a realização de leilões nos quais só receberão seus direitos os credores que aceitarem conceder o maior desconto aos governos. Contrariada com a regra, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deflagrou ofensiva a fim de barrar a PEC na Câmara. Assim, declarou guerra a governadores e prefeitos, que já reagiram.

Iniciada ontem em Brasília, a 12ª Marcha dos Prefeitos trouxe 2 mil chefes do Executivo de municípios à capital federal para pedir ao presidente Lula e aos deputados agilidade na votação das regras já aprovadas pelos senadores. Eles alegam que, sem os leilões e os descontos, a fatura bilionária dos precatórios jamais será saldada. Assim, credores morreriam com o papel na mão, como já tem ocorrido.

Além da polêmica em torno do leilão, o reajuste dos valores com base na taxa de caderneta de poupança também é questionado pelos credores. O índice atual (inflação mais juros de 12% ao ano) é superior ao novo parâmetro sugerido.

Municípios

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, afirma, no entanto, que a questão já foi aprovada pelo Congresso, por meio de emenda à MP 457/09. Ziulkoski reconhece que o relator da proposta na Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB¿RJ), deve mudar questões essenciais, mas gostaria de ver o texto do Senado ser aprovado na íntegra. O presidente da CNM argumenta que a intenção dos estados e municípios é ter condições mínimas para o pagamento dos precatórios.

Enquanto a proposta não é votada no Congresso, Eva Pacheco reclama da demora para receber o pagamento. Ela afirma que espera há duas décadas o ressarcimento. ¿Eu tenho 70 anos. Com mais 20 dá 90, não é?¿. A colega Inis Pedreira, 58, também entrou na Justiça em busca de ressarcimento do Estado. Mas ela não ganhou o direito de receber o benefício. ¿Eu gostaria de receber, porque é um direito que eu tenho. Na época, esses planos me prejudicaram bastante¿, ponderou.

Esperança a gente sempre tem. Mas está difícil

Eva Pacheco, professora aposentada

Ponto crítico

Você concorda com a PEC dos precatórios?

SIM

João Coser

Nós gostaríamos de vê-la aprovada nos moldes do Senado Federal porque a PEC realmente resolve um problema para a administração pública e também para a população. A PEC organiza o pagamento. Em três anos, nós conseguiríamos liberar entre 60% e 70% dos credores de precatórios, que são os de baixo valor. Em Diadema (SP), por exemplo, há R$197 milhões em dívidas e 365 precatórios. Em três anos seriam apenas 70 pendentes. Nós temos consciência de que no leilão haveria um deságio muito grande, mas os recursos ficariam com a prefeitura e, ao mesmo tempo, se organizariam as contas públicas. É legítimo, porque o dinheiro fica com o município. Não estamos questionando o direito de receber. O que estamos fazendo é um pedido para que se dê um desconto. Há municípios hoje que não têm condições de pagar (os precatórios) e estamos querendo organizar o Estado brasileiro.

Presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP)

NÃO

Fernando Mattos

Essa proposta vai mudar em grande parte o sistema de pagamento dos precatórios, porque estabelece um sistema de leilão no qual quem recebe primeiro é aquele que oferece maior deságio. Isso é a relativização do direito conquistado perante o poder público. É preciso fortalecer a decisão judicial, e não enfraquecê-la. É claro que os estados e municípios têm dificuldade em fazer o pagamento, mas este tem que ocorrer num tempo razoável. A proposta deveria ser precedida de um debate mais amplo, com participação de estados, municípios e credores da Fazenda Pública. Ainda que a PEC estabeleça um percentual da receita para o pagamento de precatórios, é um percentual muito pequeno e boa parte desse recurso vai ser destinado ao leilão. Eu sei que o sistema atual é um sistema que não se sustenta, mas imagine uma pessoa que tenha um direito, aguardou anos no judiciário para isso, e ainda precisa passar por um leilão?

Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

O que diz a PEC

Estados e municípios têm duas opções para zerar a dívida com precatórios:

1 - pagamento do valor em até 15 anos

2 - destinar parcela fixa para a dívida (até 1,5% da receita, no caso dos municípios, e 2% nos estados)

Do valor separado para pagamento de precatórios:

40% serão pagos seguindo ordem crescente da dívida

60% serão destinados aos leilões, em que o credor que aceitar maior deságio recebe primeiro