Título: Desafio
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 20/12/2010, Economia, p. 26

Investimentos estrangeiros são bem-vindos, mas a economia brasileira não pode correr o risco de ser dependente desses recursos, como já o foi em passado recente. Mas a única forma de não voltar a ser dependente de financiamentos externos é o país aumentar a poupança interna para viabilizar os investimentos que serão capazes de aumentar a sua capacidade de produção.

Na teoria econômica existe uma antiga discussão na linha do que vem primeiro, se o ovo ou a galinha. Os níveis de poupança de uma economia estariam fundamentalmente relacionados à renda que ela gera. Uma economia pobre, quase sem renda, não cresce pois não consegue poupar (é como se essa sociedade consumisse as sementes que serviriam para o plantio no ano seguinte). Quebrar essa espiral negativa certamente não é fácil.

Embora o Brasil tenha muitas carências e renda média ainda bem abaixo dos países considerados desenvolvidos, já alcançou um patamar que nos permite poupar mais. Nem é preciso chegar aos índices chineses (que têm uma taxa de poupança de 43% do Produto Interno Bruto - PIB), até porque trata-se de feito inédito, sem precedente histórico. Somente a conjugação excepcional de uma série de fatores - que possivelmente não se repetirá - permitiu à China dar esse salto fabuloso. Mas outras economias se desenvolveram também - especialmente na Ásia - sem tamanho esforço.

Vários especialistas acreditam que, se a poupança doméstica ultrapassar a barreira dos 20% do PIB (atualmente anda na faixa de 17%), a dependência dos financiamentos estrangeiros não existirá, e o país poderá crescer de maneira sustentada.

As medidas anunciadas na semana passada, calcadas na experiência do BNDES, para criar um mercado de títulos privados de longo prazo, foram um passo importante. É possível que venham a funcionar. Antes, não sairiam do papel, pois as taxas de juros excessivamente altas no Brasil formavam um dique que represava o mercado financeiro nas operações de curto prazo.

O economista Cláudio Frischtak (ex-Banco Mundial) fez um belo estudo em torno do tema, mostrando que o Brasil tem uma relação completamente desproporcional, tanto na emissão como na negociação em mercados secundários, entre títulos públicos privados. Enquanto aqui para o montante de 5 títulos públicos as empresas emitem apenas 1, na Coréia do Sul essa relação não passa de 1,5 para 1; no Chile é de 0,58 para 1. Considerando-se o volume negociado nos mercados, a proporção aqui é de 60 para 1.

Frischtak apresentou esse estudo no Fórum Nacional (do ex-ministro Reis Velloso) e, felizmente, suas sugestões foram acatadas pelo governo, especialmente em termos de tributação.

Adiada a licitação para abril, os consórcios mais interessados em investir no trem-bala aproveitarão esses meses para rebater críticas e remover resistências ao empreendimento. O consórcio coreano-brasileiro, que já era apontado como vitorioso da concorrência, tem feito isso.

Paulo Benites, presidente desse consórcio, lembra que o trem-bala não ficará pronto antes dos Jogos Olímpicos de 2016. É um projeto mais de longo prazo, voltado para como estará o Brasil - e em particular a região entre Rio e São Paulo, que hoje responde por 45,2% do PIB do país - dentro de dez anos. Não é necessário um exercício profundo de futurologia para se imaginar que até lá a ligação aérea, e mesmo a rodoviária, estarão completamente congestionadas, se não houver alternativa para ambas.

Pelo custo da passagem, o trem-bala será uma opção ao transporte aéreo. Com a vantagem de estimular alguns polos de desenvolvimento pelo caminho. Mesmo nas cidades do Rio e de São Paulo, a ideia é que o empreendimento contribua para a revitalização urbana. Em torno das estações da Leopoldina (Rio) e Campo de Marte (São Paulo), haverá espaço para centros de convenção e escritórios que despertarão o interesse de empresas sediadas em uma das cidades, mas com muitos negócios na outra. Os corredores das estações sem dúvida se transformarão em um shopping center. Já nas cidades que abrigarão estações intermediárias, previstas para ficar mais distantes dos atuais centros urbanos, surgirão novos polos empresariais.

Benites, que anos atrás trabalhou no metrô de São Paulo, justifica o trem de alta velocidade no Brasil (e não a alternativa de qualquer outro) com o fato de o país não possuir hoje esse tipo de transporte ferroviário de longa distância entre as suas duas principais cidades. "Como teremos de partir do zero, é preferível investir logo no trem mais rápido, com a vantagem de que a emissão de gases poluentes corresponde a um terço de um comboio que alcança 180 quilômetros por hora", diz ele.

Ainda segundo Benites, o custo de operação do trem-bala é baixo. A preços de 2010, uma viagem entre Rio e São Paulo consumiria cerca de R$2 mil em energia elétrica, e os gastos com a tripulação não passariam de R$135. Em contrapartida, o custo do investimento é elevado, principalmente por causa dos trechos subterrâneos que foram projetados para as duas cidades - em relação aos quais o edital não permite alteração, diferentemente do restante do trajeto.

Para o trecho na superfície, o consórcio coreano-brasileiro alterou, em sua proposta, cerca de 326 quilômetros do projeto sugerido pelo governo, pois este prevê várias travessias do Rio Paraíba do Sul. O consórcio optou por mais túneis e menos travessias, acreditando que assim será mais fácil construir a linha, inclusive por causar menos impacto ambiental.

A tecnologia coreana foi inspirada originalmente no TGV francês. Na construção do segundo trem de alta velocidade no país, os coreanos já a dominavam. Eles consideram que as características do TAV entre Rio e São Paulo serão bem semelhantes às da Coreia (distância, morros como obstáculo, ligação entre duas cidades populosas).