Título: Baby Doc sob a mira da Justiça no Haiti
Autor:
Fonte: O Globo, 19/01/2011, O Mundo, p. 29

Ex-ditador é acusado de corrupção e proibido de deixar o país. Juiz determinará se há provas suficientes para levá-lo a julgamento

PORTO PRÍNCIPE

Dois dias após retornar ao Haiti alegando querer ajudar as vítimas do terremoto do ano passado, o ex-ditador Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, foi detido ontem pela polícia, e acusado formalmente por corrupção, roubo, apropriação indébita de fundos e outros supostos delitos cometidos no seu governo, entre 1971 e 1986. Levado por policiais fortemente armados, Baby Doc deixou o Hotel Karibe, onde estava desde que retornou abruptamente após 25 anos de exílio na França, e entrou num carro da polícia, acenando a simpatizantes que o chamavam de presidente. O caso será agora analisado por um juiz, que determinará se há provas suficientes para levá-lo a julgamento. À noite, o político foi reconduzido a seu hotel, e impedido de deixar o país.

Ainda que o político não seja condenado, a notícia surpreendeu os haitianos, num país acostumado à impunidade de seus governantes. Apesar de ser uma oportunidade de esclarecer supostos crimes cometidos durante seu governo - como suspeitas de ter desviado cerca de US$600 milhões - o retorno abrupto de Baby Doc contribui para aprofundar a crise política no país, num momento em que o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais vem sendo contestado. A tensão era ainda maior diante das declarações do advogado de Jean-Bertrand Aristide, derrubado em 2004, de que o ex-presidente também teria intenções de retornar ao Haiti de seu exílio na África do Sul.

Crescente polarização nas ruas da capital

A Anistia Internacional, que havia pedido uma ação do governo haitiano contra Baby Doc, elogiou a detenção do político, sublinhando que é apenas um começo.

"Se a verdadeira justiça for feita no Haiti, as autoridades haitianas precisam abrir uma investigação criminal da responsabilidade de Duvalier pelos inúmeros abusos de direitos humanos que foram cometidos no seu governo, incluindo tortura, prisões arbitrárias, estupro, desaparições e execuções extrajudiciais", disse o grupo.

Tentando impedir que Baby Doc fosse levado pela polícia, grupos de partidários levantaram barricadas e queimaram pneus nas ruas diante do comboio policial.

Do lado de fora do tribunal, centenas de simpatizantes do político protestavam, queimando pneus e pedindo a prisão do presidente René Préval. Um dos manifestantes, Chal Christen, de 56 anos, balançava uma bandeira do partido de Baby Doc, que ele havia guardado desde que o "presidente vitalício" foi deposto numa rebelião popular, e forçado a se exilar.

- Não temos comida, nossas casas estão em colapso, nossos filhos não têm escola. Préval é que é o ditador. Duvalier para presidente.

O cenário era apenas uma amostra da crescente polarização da população desde o retorno de Baby Doc. Enquanto ontem algumas pessoas exaltavam o seu governo, outros lembravam os 15 anos sob seu poder como um dos períodos mais sombrios da História do país. Bobby Duval, um antigo astro do futebol, afirmou que foi torturado durante os 17 meses em que ficou preso arbitrariamente pelo regime de Baby Doc.

- Ele é um ladrão assassino. Um país que não tem memória está condenado a repetir os mesmos erros - disse.

O retorno de Baby Doc levou também a mídia haitiana a especular sobre a possibilidade de um evento ainda mais incômodo: a volta de Aristide, no exílio desde 2004, mas que ainda desfruta de um forte apoio no país. Rádios locais noticiam boatos que Aristide está a caminho de Porto Príncipe, mas as informações não são confirmadas. O advogado do ex-presidente, Ira Kurzban, porém, disse que Aristide quer voltar à terra natal. Caso ele retorne, deve ofuscar a volta de Baby Doc, segundo o historiador Georges Michel.

- Agora, há algumas pessoas animadas, mas ainda não vimos um grande entusiasmo nas ruas como aconteceria caso Aristide voltasse.