Título: Obra de Athos Bulcão removida
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Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2009, Cidades, p. 24

Patrimônio

Painéis feitos pelo artista plástico no Palácio do Planalto foram retirados do lugar devido à restauração do monumento. Com isso, fundação que leva o nome do mestre os considera como uma ¿obra demolida¿

Para a Fundação Athos Bulcão (Fundathos), os três painéis do artista plástico que estavam localizados no 4º andar do Palácio do Planalto são considerados uma obra perdida. Tanto é que, no livro a ser lançado no próximo dia 26 sobre a produção artística de Athos Bulcão, a fundação define as paredes de azulejo como ¿obra demolida¿. A colocação da Fundathos deve-se à reforma do Palácio do Planalto, iniciada em março deste ano e orçada em R$ 78,8 milhões. Os azulejos que compunham os painéis há 49 anos foram retirados. Para eles, está reservada uma parede no saguão do mesmo pavimento.

¿Não concordei com a reforma. O professor Athos fez os painéis para aquelas paredes. Tirá-los de lá vai desvirtuar a intervenção da arte na arquitetura que ele propôs¿, declara a diretora executiva da Fundathos, Valéria Cabral. De acordo com ela, a localização original dos painéis era definida por Athos ao mesmo tempo em que Oscar Niemeyer projetava o palácio, no fim da década de 1950. ¿Ele estava lá, junto, para decidir como seria a obra de arte¿, explica.

A Fundathos considera que as obras no Palácio no Planalto, além de destruírem um patrimônio, abrem precedentes para que outras sejam feitas em prédios tombados. ¿Não se deve reformar palácios. Ainda mais numa capital que não tem nem 50 anos¿, opina Valéria. Outro argumento dela é o fato de Athos Bulcão estar morto há quase um ano. ¿Não temos como saber se ele concordaria com essa mudança. Agora não tem mais jeito. Os painéis foram postos abaixo. A obra não foi respeitada¿, lamenta.

Legislação

Além disso, a diretora afirma não ter sido procurada pelo escritório de Oscar Niemeyer, que assina o projeto da reforma do palácio, para avaliar a transferência dos painéis. Valéria se reuniu, no entanto, com representantes da Secretaria de Administração da Casa Civil. ¿A Casa Civil me procurou para que eu acompanhasse as reformulações. Mas a liturgia do meu cargo não permite que concorde com a destruição da obra do professor Athos¿, conta.

Segundo o representante do escritório de Niemeyer em Brasília, Carlos Magalhães, não há na legislação vigente a obrigação de consultar a fundação. ¿Não houve desvirtuamento da obra. O Oscar (Niemeyer) teve o cuidado de remanejar os painéis para um local mais visível, importante e acessível¿, diz. O lugar onde os azulejos serão recolocados é uma parede de aproximadamente 20m, localizada no saguão do 4º andar, onde funcionavam a Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucional.

HOMENAGEM AO ARTISTA Uma missa em memória de Athos Bulcão será realizada na próxima sexta-feira, às 18h30, na Igrejinha da 307/308 Sul, que abriga a obra do artista. No próximo dia 26, a Fundathos lançará o livro Athos Bulcão. O evento ocorrerá às 20h, em outro lugar que ostenta um painel do artista: o Brasília Palace Hotel. O livro traz uma compilação de quase todas as obras de Athos e define tanto os painéis desmontados do Palácio do Planalto quanto os da sede social do Clube do Congresso como ¿obras demolidas¿.

Para saber mais Projetado por Niemeyer

Inaugurado ao mesmo tempo que a capital do país, em 21 de abril de 1960, o Palácio do Planalto foi projetado por Oscar Niemeyer. Assim como outras 23 obras do arquiteto, o palácio é tombado pelo Iphan. A estrutura de quatro andares e 36 mil metros quadrados deve ser reformada até abril do ano que vem, quando Brasília completará 50 anos. Orçadas inicialmente em R$ 78,8 milhões, as obras de reestruturação e restauração preveem a retirada de divisórias e a construção de um anexo ao palácio, além do remanejamento dos painéis de Athos Bulcão para uma parede no saguão do 4º andar.

Para evitar a quebra dos azulejos, a técnica mais indicada, segundo a diretora executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral, é aplicar gesso em torno dos painéis e serrar a parede. Mesmo assim, não há garantia de que uma ou outra peça seja danificada. O Correio apurou que a retirada dos azulejos foi feita em blocos, na tentativa de preservá-los.

De acordo com o superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal, o jardim localizado em frente aos painéis de Athos Bulcão no palácio não é de Burle Marx. ¿Não há vestígios do projeto desse jardim no escritório dele no Rio de Janeiro. É só mais uma das fábulas que criam¿, afirma.

Aval do Iphan

A reforma no Palácio do Planalto ¿ e a consequente mudança de local dos painéis ¿ tem o aval do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão responsável pela preservação de obras e prédios tombados e pela fiscalização de restaurações. Para o superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal, a reforma tem sido feita de maneira adequada e o local escolhido para acolher os azulejos foi especificamente criado para isso. O órgão acompanha a execução das obras e não verificou irregularidade. ¿Analisamos detalhadamente o projeto e estamos acompanhando a restauração. Os azulejos estão armazenados de forma correta. Não houve dano. Se houvesse, a reforma estaria embargada¿, explica. O superintendente admite, no entanto, que algumas peças podem ter sido danificadas, mas em pequeno número. ¿Não se faz uma gemada sem quebrar os ovos. Se for necessária a substituição, a própria Fundathos refaz os azulejos, da forma que Athos fazia.¿

Exigências

Uma das exigências do Iphan era de que a retirada dos azulejos fosse feita por pessoal especializado, justamente para evitar que os painéis fossem danificados. A diretora da Fundathos, Valéria Cabral, no entanto, tem a suspeita de que o serviço tenha sido executado por funcionários despreparados para a tarefa: ¿Soube que também havia pedreiros comuns trabalhando na remoção dos azulejos¿.

A assessoria de comunicação da Presidência da República confirma que os painéis foram desmontados e estão adequadamente embalados e armazenados para posterior reaproveito. O órgão acrescentou que existe a preocupação, inclusive por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em preservar a obra de Athos. O presidente Lula, na ocasião da morte do artista, em julho do ano passado, divulgou nota na qual lamentava o ocorrido e reconhecia o valor inestimável do artista.