Título: O futuro próximo é marrom
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 08/03/2011, Economia, p. 13

À frente de um estado baseado numa economia suja, a nova subsecretária de Economia Verde do Rio de Janeiro, Suzana Kahn, tem como meta reduzir a emissão de carbono na economia fluminense. Grandes projetos, como Comperj e Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), vão sujar ainda mais a base industrial do estado nos próximos anos. Suzana não pretende lutar contra isso. Mas já começou a pavimentar mudanças, que serão consolidadas no Plano Clima do estado, previsto para ser apresentado pelo secretário do Ambiente, Carlos Minc, em abril. O Rio é o primeiro estado do país a criar uma subsecretaria verde. Professora da Coppe e vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) até 2014, a subsecretária acredita ser possível adotar no Rio o mesmo modelo de descarbonização que está sendo implantado na China. Ou seja, estimular o crescimento da economia estadual, reduzindo paulatinamente o peso dos setores mais sujos. Os chineses, por exemplo, continuam sendo os maiores emissores de gases de efeitos estufa, ao lado dos americanos, mas o país já é também o maior produtor mundial de painéis solares.

Quais serão suas primeiras atribuições à frente da subsecretaria de Economia Verde? SUZANA KAHN: Precisamos conhecer o estado e levantar as informações para definir qual é o conteúdo verde na nossa economia. Já começamos a fazer um levantamento para "tropicalizar" o estudo "Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza", do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). O relatório foi lançado no Fórum Global de Ministros do Meio Ambiente, que ocorreu em fevereiro, em Nairobi, no Quênia. Precisamos usar os mesmos critérios adotados internacionalmente para podermos fazer comparações com outros países, outras regiões. Se não fizermos isso, não teremos base de comparação.

Mas antes mesmo de ter este estudo em mãos, como a senhora avalia a economia do estado? SUZANA: Hoje, o setor industrial como um todo responde por um terço das emissões de gases de efeito estufa do estado. Em seguida vem o setor de transporte rodoviário, que responde por 18% das emissões.

A mudança deste padrão é para já? SUZANA: O nosso futuro próximo é muito marrom e pouco verde, sobretudo por conta de projetos como Comperj e CSA que estão entrando em operação. As emissões de gás carbônico da siderúrgica, por exemplo, terão uma relação de dois para um na produção de aço. Ou seja, serão emitidas duas toneladas de CO2 por tonelada de aço produzida. Isto sem falar na própria economia do petróleo e as térmicas, que, no caso do Rio, são em número superior ao do resto do país. São muitos os projetos saindo do papel nos próximos dez anos em termos de economia velha. São projetos baseados numa economia antiga, mas não podemos brigar contra isso, porque o estado precisa crescer e estes projetos fazem parte do planejamento de crescimento do Rio. O que a subsecretaria pretende é "esverdear" a economia do Rio para mudar o padrão no futuro.

O que poderia ser feito para "esverdear" a economia do estado? SUZANA: Atrair fábricas de painéis solares e de beneficiamento de silício. A graça da economia verde é ter uma indústria mais sofisticada, com mais valor agregado. Estrategicamente precisamos repensar o modelo de crescimento, apostando num aumento do Produto Interno Bruto (PIB) com redução de conteúdo de carbono. A meta é aumentar o PIB verde, que é o resultado do PIB convencional menos a depressão dos recursos naturais e os custos ambientais. Quanto mais próximo o PIB verde estiver do tradicional, é a prova de que estamos no caminho certo, de que estamos conseguindo "esverdear" a economia.

E de onde sairão os recursos para bancar esta transição? SUZANA: Os recursos financeiros para viabilizar indústrias menos dependentes de carbono poderiam vir do petróleo. Nada mais justo do que usar parte da renda do petróleo para financiar a transição da velha economia para uma mais moderna. Temos que aproveitar esta característica do Rio, que é ter vocação para a inovação e o fato de sediar a maior densidade de universidades do país, para promover um salto tecnológico. O Rio vai sediar grandes eventos como Copa do Mundo, Olimpíadas e a Rio+20, que terá como tema central a "Economia Verde e a Erradicação da Pobreza".

A senhora acredita que estes megaprojetos vão atrair recursos para viabilizar essa economia verde? SUZANA: O Rio vai virar um tremendo outdoor. Sem dúvida, há mais abertura para se discutir novas tecnologias. Precisamos aproveitar este momento, porque se trilharmos um caminho ultrapassado, será mais caro desconstruir depois. O mundo está cada vez exigindo mais uma pegada ecológica. Logo, se apostarmos numa economia antiga, vamos acabar ficando com um mico na mão. Não existe mais aquela visão romântica do meio ambiente; hoje, é uma questão de mercado. A Malásia, por exemplo, perdeu espaço no mercado internacional porque os países nórdicos passaram a exigir madeira certificada. É óbvio que a economia verde vai estimular o protecionismo, mas a culpa não é da economia verde ou da questão ambiental, é uma questão de mercado. A dúvida é saber se queremos ser protagonistas ou coadjuvantes deste processo de transformação.

Suas ideias estão tendo eco entre o secretariado do governador Sérgio Cabral? SUZANA: Estamos propondo uma agenda positiva. Estamos defendendo uma agenda mais desenvolvimentista com um forte componente ambiental. Todos os secretários têm sido muito receptivos, e a secretaria do Ambiente tem sido o principal elemento catalisador. Já começamos a discutir com o BNDES para viabilizar as fontes de financiamento. Já conseguimos, por exemplo, a aprovação da licença para os aterros sanitários serem obrigados a gerar energia do lixo.

A senhora defende a adoção de metas voluntárias? SUZANA: Vamos propor metas de redução no Plano Clima do estado, que será apresentado pelo secretário do Ambiente, Carlos Minc, em abril. Não é factível propor redução absoluta de emissão de carbono, mas é possível investir na diminuição da intensidade de carbono. Vamos apresentar um indicador de descarbonização, o que significa reduzir a intensidade nos segmentos mais carbonizados, tipo transporte e indústria. É o que a China está fazendo. O país continua sendo um dos maiores emissores de gases de efeitos estudo junto com os Estados Unidos. Só que já se transformou na número um em produção de painéis solares.