Título: Capital rebelde bombardeada
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Fonte: O Globo, 17/03/2011, O Mundo, p. 29

TRÍPOLI

Depois de reconquistar boa parte das cidades no Leste da Líbia que estavam nas mãos dos rebeldes desde o mês passado, as forças leais a Muamar Kadafi atacaram ontem Benghazi, sede do movimento insurgente, lançando bombas no aeroporto da cidade. A ofensiva aérea ocorreu pouco depois de o governo anunciar que tomaria Benghazi ¿em 48 horas¿. Os rebeldes, no entanto, responderam com artilharia antiaérea, obrigando os aviões a baterem em retirada, segundo o coronel insurgente Faradj el-Feyturi.

Enquanto centenas de pessoas continuavam a fugir de Benghazi temendo os conflitos, os insurgentes ¿ que haviam sido dados como derrotados em Ajdabiya na véspera ¿ uniam seus últimos esforços para tentar retomar a cidade. Segundo médicos de Ajdabiya, a cerca de 160 quilômetros de Benghazi, 26 pessoas morreram na ofensiva da véspera, realizada sobretudo pelo ar. Ontem, os combates continuavam nos entornos da cidade.

¿ Ouvimos explosões durante o dia inteiro ¿ contou um funcionário de hotel que não se identificou.

Quatro jornalistas do ¿New York Times¿ que cobriam a retirada rebelde da cidade desapareceram.

Houve também confrontos em Misurata, enclave rebelde situado entre Trípoli e Sirta. As tropas de Kadafi atacaram com tanques e armamento pesado, mas a cidade resistiu. Ao menos cinco pessoas morreram. Contudo, todas as atenções estavam voltadas ontem para Benghazi, especialmente depois que Saif al-Islam, o filho preferido de Kadafi, prometeu retomar a cidade nas próximas horas.

Filho de Kadafi ataca Sarkozy

Consciente de que essa conquista pode significar o fim das aspirações rebeldes, o governo líbio vem exortando pela TV todos os combatentes do ditador a unirem suas forças para recuperar Benghazi. Ao mesmo tempo, Kadafi aumenta sua pressão psicológica sobre os insurgentes, insistindo que eles não têm mais chance.

¿ Temos a determinação de acabar com nossos inimigos. Agora a França diz que vai atacar a Líbia. Querem nos atacar? Venham e tentem!

O tom de desafio também foi usado por Saif al-Islam, sobretudo contra a França, que defende uma intervenção militar a favor dos rebeldes. Ele disse ainda que o regime doou dinheiro à campanha presidencial de Nicolas Sarkozy.

-¿ A primeira coisa que pedimos a este palhaço do Sarkozy é que devolva o dinheiro ao povo líbio. Ele nos desapontou.

Repressão aumenta no Bahrein

Policiais entram em praça ocupada e matam seis manifestantes

FUMAÇA É vista na Praça da Pérola no ataque da tropa de choque aos manifestantes

MANAMA. A monarquia do Bahrein intensificou a repressão aos manifestantes que continuavam ocupando a Praça da Pérola e outras partes do centro de Manama em desafio à declaração de estado de emergência de três meses e à proibição de agrupamentos públicos. Com a ajuda de tanques, bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes, a tropa de choque entrou na praça ¿ símbolo do movimento reformista ¿ e atacou a multidão, deixando ao menos seis mortos. Não estava claro se as tropas sauditas convocadas pelo rei Hamad para tentar pôr fim aos protestos, que já duram cerca de um mês, participaram da ofensiva.

As autoridades militares também impuseram um toque de recolher das 16h às 4h na capital. No centro de Manama, no entanto, onde o comércio e prédios públicos continuavam fechados, os manifestantes afirmaram que não respeitariam a restrição imposta pelo rei sunita.

¿ Não dou crédito ¿ desafiou Munira Fakhro, membro do grupo liberal Waad. ¿ Já não podemos confiar no sistema. Não sei quem foi o louco de dar a ordem de desalojar os manifestantes, mas chegamos a um ponto sem retorno.

O ministro da Saúde, um xiita, renunciou em protesto à resposta agressiva do governo ¿ num gesto repetido por dezenas de juízes da mesma orientação religiosa.

No Cairo, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, condenou a violência e afirmou que a Arábia Saudita ¿ aliada estratégica de Washington ¿ e o Bahrein estão errados ao recorrer à força.

¿ Achamos alarmante o que está acontecendo no Bahrein. O uso da força não responderá às aspirações e demandas dos manifestantes ¿ disse, referindo-se aos pedidos por mais democracia e igualdade para os xiitas.

Ao menos 150 feridos em confrontos no Iêmen

A repressão também foi deplorada pelo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, para quem o ataque em Manama foi ¿injustificável e irreparável¿. Maior reduto xiita depois do Irã, o Iraque juntou-se às críticas à violência usada contra os manifestantes.

Um protesto antigoverno também terminou em violência ontem no Iêmen. Simpatizantes do governo armados com paus, facas e armas atacaram milhares de pessoas que pediam a renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh, no poder há 32 anos, nas ruas de Hudaida ¿ onde quatro mil pessoas estão acampadas há semanas. Cerca de 150 ficaram feridas. Segundo fontes médicas, dez manifestantes foram baleados, e dezenas, esfaqueados.

De acordo com uma informação divulgada pelo Centro do Iêmen para os Direitos Humanos, mais de 50 pessoas foram mortas desde que os distúrbios começaram no país, no início do mês passado.

Já na capital da Argélia, a polícia dispersou centenas de manifestantes que pediam melhores condições de moradia, depois de confrontos entre os dois lados. O governo de Abdelaziz Bouteflika tem vivido uma série de contestações, que levaram inclusive à suspensão do estado de emergência em vigor no país durante 19 anos.

Conselho de Segurança arrasta decisão sobre bloqueio aéreo

Diplomata líbio dissidente diz que Kadafi prepara banho de sangue e pede ação imediata às Nações Unidas

Fernanda Godoy

NOVA YORK. Enquanto as forças militares do presidente da Líbia, Muamar Kadafi, avançavam sobre os territórios controlados pelos rebeldes, o Conselho de Segurança da ONU adiou novamente ontem a decisão sobre a proposta de uma zona de exclusão aérea no país. O debate será retomado hoje às 11h (hora local).

Mais uma vez, um representante líbio irrompeu no plenário do Conselho de Segurança para fazer um apelo dramático: Ibrahim Dabbashi, vice-embaixador do país na ONU, disse que Kadafi prepara a matança de civis e uma limpeza étnica.

¿ Kadafi perdeu a cabeça e deu instruções para seus soldados matarem qualquer um que encontrarem pela frente, para destruírem tudo. A comunidade internacional precisa agir imediatamente. Mais de 400 tanques estão rumando em direção a focos rebeldes ¿ disse Dabbashi, que rompeu com Kadafi no mês passado e ontem se referia às forças rebeldes como ¿nós¿.

O embaixador do Líbano junto à ONU, Nawaf Salam, assegurou aos demais diplomatas que países árabes aceitam desempenhar um ¿papel significativo¿ na tarefa de impor a zona de exclusão aérea na Líbia. A presença de forças árabes ajudaria a vencer resistências de alguns países que ainda se encontram reticentes, e mesmo o porta-voz da missão dos Estados Unidos, Mark Kornblau, disse que seu país está ¿engajado ativamente na elaboração do texto¿ que aprove a zona de exclusão aérea. Os americanos querem, no entanto, que os países que tomaram a frente da proposta, como França, Líbano e Reino Unido, se responsabilizem por implementar a zona de exclusão aérea. Dabbashi confirmou que vários países árabes teriam se comprometido com a ofensiva, mas que seus nomes só seriam revelados após a aprovação da resolução. Segundo o embaixador do Reino Unido, Mark Lyall Grant, a discussão está sendo feita ¿parágrafo por parágrafo¿.

Na entrada para a reunião do Conselho de Segurança, o embaixador do Líbano se referiu à afirmação de Saif al-Islam Kadafi, filho do ditador, de que as tropas leais ao governo chegariam a Benghazi em 48 horas.

¿ Espero que o Conselho de Segurança prove que ele está duplamente errado: que não haverá banho de sangue e que o Conselho agirá de forma rápida e decisiva, com a zona de exclusão aérea e outras medidas que defendam a população civil ¿ apelou Salam.

O embaixador da França, Gérard Araud, disse esperar que a votação aconteça hoje à noite, ou no mais tardar até o fim da semana. Diversos países, como a Rússia, a China, a Índia e a Alemanha, no entanto, continuavam a encarar com reserva a ideia de uma intervenção militar na Líbia.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que estava no Cairo ontem, afirmou em entrevista à rede de TV CBS que a participação árabe no cerco aéreo à Líbia é uma condição fundamental.

¿ A declaração da Liga Árabe, uma posição corajosa, indica que eles sabem que eles devem se apresentar para liderar e participar de qualquer ação ¿ cobrou Hillary.

No entanto, o acordo está demorando a ser obtido, diferentemente do que aconteceu com a resolução que impôs sanções econômicas a Kadafi, embargou a venda de armas à Líbia e determinou a abertura de investigação no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Naquela votação, em 26 de fevereiro, foi obtida unanimidade dos 15 integrantes do Conselho, após cinco dias de discussões, o que para a ONU é um tempo recorde.