Título: Dívidas a perder de vista
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 26/07/2009, Política, p. 2

No meio do assentamento São Vicente, o presidente da associação de miniprodutores, Aldrey Galvão, mostra uma casa abandonada e conta uma história que serviria para dezenas de outras. ¿O dono desse lote tirou o Pronaf, ficou endividado e foi embora. Já veio outra pessoa que ficou aguardando um novo contrato, para tirar um novo recurso. O recurso não veio, foi embora, e já tem outra pessoa querendo entrar.¿ Mas ele afirma que a venda dos lotes acontece por baixo dos panos. ¿Totalmente escondido. A pessoa chega e alega que está invadindo, mas a gente crê mesmo que houve alguma negociação.¿

No assentamento Vale do Macacão, a presidente da associação de miniprodutores, Carmozina Oliveira, afirma que quase todos os 63 lotes já estão na ¿segunda remessa¿. Quem desiste do lote faz o quê? ¿Vai embora para a cidade. Vende o lote e vai embora.¿ Ela explica o que os assentados fazem para vender o lote ¿às escondidas¿. ¿A pessoa dá o termo de desistência, a pessoa (que compra) vai lá e legaliza.¿ Carmozina diz que muitos vão embora deixando dívidas: ¿Tem gente que recebeu o Pronaf. Tá devendo, mas vai embora. Tem gente que a gente nem sabe onde está morando¿.

Durante quatro ou cinco anos, parte dos moradores conseguiu uma renda extra no São Vicente. Eles vendiam madeira para carvoarias instaladas ali mesmo, dentro dos lotes. Saía até madeira de lei nos cerca de 10 caminhões que deixavam o loteamento por dia.

Força-tarefa

Em julho de 2003, uma força-tarefa do Incra com a Polícia Federal e o Ibama acabou com o negócio. Relatório do Incra informa que havia 756 fornos de carvão, a maioria localizada nos lotes de sequeiro. ¿A associação do projeto mantinha sob sua responsabilidade uma guarita de fiscalização e contabilidade da saída dos caminhões carregados de carvão¿, diz o relatório. A servidora Verbênia Peixoto afirma que cada caminhão pagava uma taxa de R$ 15 para a associação.

O documento relata que ¿chamou a atenção a exploração de madeira de lei nas áreas de reserva e a grande devastação produzida¿. Os proprietários de fornos para carvoaria devastavam as parcelas com tratores de esteira e motosserras, sem autorização dos trabalhadores rurais assentados. Eles moravam muitas vezes distante 15km do local da derrubada.

Aldrey Galvão afirma que os presidentes da época ¿usavam de má-fé¿. ¿Eles sabiam da lei, mas exploravam os assentados, trazendo até guiadores de fora e mentiam que iam legalizar carvoaria aqui dentro¿.

Fornos

O Correio encontrou um dos ex-presidentes, Francisco Assis Cordeiro. Ele mora numa casa confortável, com poço para irrigação da plantação de melancia e abastecimento da piscina de 10m por 5m. Ele confirma que as carvoarias funcionaram na sua gestão, mas diz que era utilizada apenas a madeira resultante da ¿limpeza da área¿. E nega que a associação tenha recebido taxa dos caminhões de carvão. A água da piscina, segundo ele, é utilizada na irrigação.