Título: Etanol: o gargalo
Autor: Jank , Marcos Sawaya
Fonte: O Globo, 04/04/2011, Opinião, p. 7
A elevação dos preços do etanol fez com que o consumo do combustível despencasse nas últimas semanas, sendo substituído por gasolina nos carros flex em quase todo o país. Com a alta dos preços são muitas as acusações, algumas verdadeiras, outras falsas. É preciso analisar os fatos com atenção.
A principal razão da disparada dos preços do açúcar e do etanol é a forte freada no crescimento do setor sucroenergético brasileiro. De 2000 a 2008, crescemos acima de 10% ao ano, mais que dobrando a produção anual de cana de açúcar. O consumo de etanol superou o da gasolina e atendeu à forte expansão da frota flex.
Mas a crise econômica global de 2008 atingiu severamente a indústria, causando forte reestruturação financeira e societária. Desde então, o crescimento caiu para cerca de 3% ao ano, com investimentos concentrando-se em fusões e aquisições e não na construção de novas usinas.
A segunda razão está nas quebras sucessivas de safra em função de dificuldades climáticas. A pior delas foi a forte seca que castigou a cana em meados do ano passado, o que explica a menor oferta de produto nesta entressafra.
Uma terceira razão, de baixo poder explicativo e raramente explicada com clareza, seria a migração de produtores para a fabricação de açúcar em vez do etanol. Se por um lado foi mais lucrativo produzir açúcar nos dois últimos anos, por outro essa flexibilidade é muito limitada, restrita a no máximo 10% da cana colhida. Em 2010, isso resultou em 5 milhões de toneladas adicionais de açúcar. Apesar disso, a maior parte da cana continuou sendo dedicada ao etanol.
Sem flexibilidade, esse volume adicional de açúcar produziria 3 bilhões de litros de etanol com grande perda de lucratividade. Só a quebra de safra pela estiagem causou uma perda equivalente a 5 bilhões de litros de etanol. Já a desaceleração pós-crise do crescimento do setor equivale a uma redução de cana que permitiria produzir 11 bilhões de litros adicionais de etanol neste ano, o equivalente a 48% do consumo anual este ano.
É fundamental destacar dois outros pontos que costumam passar despercebidos. O primeiro é que a oscilação de preços é uma característica marcante em todas as commodities. O que acontece com o etanol também ocorre com o tomate, a soja, o minério de ferro e o petróleo. Por que então se reclama tanto do etanol? Basicamente porque a comparação desse produto é sempre feita com a gasolina, cujo preço no Brasil praticamente não varia há anos devido à política de preços administrados da Petrobrás. Se a gasolina brasileira seguisse pari-passu os preços internacionais do petróleo, a volatilidade de seu preço seria maior do que a do etanol, e as reclamações dos brasileiros, imensas.
O segundo ponto é que o Brasil é o único país que oferece ao consumidor a possibilidade de escolher entre dois combustíveis no momento do abastecimento. O etanol é uma opção renovável, menos poluente e mais barata na maior parte do ano. Se ele não existisse, restaria apenas a gasolina, pior em todos esses requisitos.
É obvio que não estamos satisfeitos com o baixo crescimento do setor e a volatilidade de preços do etanol, que, no fundo, prejudica produtores, distribuidores, revendedores, consumidores e governo. Entendemos que é hora de buscar condições para um novo ciclo sustentado de crescimento do setor sucroenergético, muito além da questão do financiamento, que definitivamente não é o atual gargalo do setor. O importante é resgatar a competividade do etanol com a harmonização de impostos, a melhoria da infraestrutura e do sistema de abastecimento, a redução dos custos agrícolas e industriais e a maior eficiência dos motores flex.
O setor sucroenergético tem sido uma das indústrias mais dinâmicas, inovadoras e admiradas do nosso país. O desafio é fazê-lo crescer com sustentabilidade econômica, ambiental e social, e sem sobressaltos.