Título: Gentinha abusante
Autor: Granjeiro, J. W.
Fonte: Correio Braziliense, 27/07/2009, Opinião, p. 11

Diretor-presidente da holding Gran Cursos

O mundo está evoluindo de forma acelerada. Alguns de nossos representantes, pelo que parece, não. Preferem reviver eras pregressas, quando reinavam princípios aristocráticos, oligárquicos, patrimonialistas, enfim, medievais. Sobretudo na política brasileira, a ética, a moral e o bom senso estão praticamente em extinção. Que dizer, então, do Senado Federal, que cultiva em seu seio uma sociedade secreta, autora de atos vexatórios, imorais e indecorosos, que somos obrigados a assistir e engolir?!

Os aproximadamente 623 atos secretos ¿ e, obviamente, inconstitucionais ¿ editados pelo Senado ao longo dos últimos 14 anos, na maioria dos casos destinavam-se a nomear, a exonerar e a aumentar o salário de pessoas ligadas aos comandantes da Casa. Acobertado por servidores do alto escalão do órgão, o sigilo dos atos perenizava o nepotismo, o filhotismo e o clientelismo desenfreado, e promovia farra com o dinheiro público, servindo, inclusive, para pagar mordomo da corte maranhense.

O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 preceitua que a administração pública, direta ou indireta, dos Três Poderes da República ¿ inclusive, é óbvio, o Legislativo ¿ deve obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Mas, para um certo senhor feudal ¿ e protagonista dessa crise ¿ apenas ¿faltou a formalidade essencial, (que seria) a publicação dos atos¿.

Ora, o presidente do Senado está completamente equivocado. A publicidade é condição essencial para a eficácia dos atos administrativos, como sabemos, pois é requisito da transparência, do controle e da moralidade. Serve para conferir transparência à prática do ato, transparência que obviamente o Senado não desejava. É essa a razão pela qual optou por não publicar os atos.

Ademais, a publicidade, por si só, não torna os atos eficazes. Estes precisam atender, ainda, a outros princípios, expressos em lei ou não. Princípios como o da legalidade, absolutamente ignorado no episódio do Senado. A remuneração de um cargo público somente pode ser alterada por lei, fonte primária do direito. Nenhum outro ato pode conferir aos servidores aumento de vencimentos. Os atos secretos do Senado desrespeitaram essa regra básica.

A irregularidade também se aplica à contratação de parentes, conhecida como nepotismo. Súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal proibiu tal prática no serviço público. Entretanto, alguns dos atos secretos do Senado Federal foram responsáveis pela nomeação, no total, de oito pessoas ligadas a um ex-presidente da República. Essas pessoas foram ou são funcionários comissionados daquela casa legislativa.

Vemos aí outro princípio profundamente ferido, o da moralidade, diretamente relacionado aos freios a ser impostos aos agentes públicos na execução dos poderes discricionários. A moralidade também serve para validar a conduta do administrador público. Com base nesse princípio, a conduta secreta dos senadores pode e deve ser considerada reprovável.

Por derradeiro, dado o conteúdo desses atos secretos, também é facilmente observável que, direta ou indiretamente, eles tinham por finalidade beneficiar senadores e servidores do órgão. Mas o princípio da impessoalidade, que tem por pressuposto exclusivamente o bem comum, exclui a possibilidade de qualquer promoção pessoal. Trata-se de mais um princípio agredido, sem contar o da finalidade.

Todo ato produz efeitos. E qualquer agente público que negue publicidade aos atos oficiais atenta contra os princípios da administração pública, cometendo falta grave. Fica, então, caracterizada a improbidade administrativa, passível das seguintes penas previstas na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.429/1992: ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, sem prejuízo da ação penal cabível.

O escândalo dos atos secretos revela verdadeiro retrocesso em prol da promoção pessoal, situação inadmissível na administração pública moderna. Daremos o troco quando, no próximo ano, for a nossa hora de proceder a ato secreto ¿ sim, o voto, que é sigiloso ¿ e selecionar melhores representantes. Por um Brasil de progresso.