Título: União Europeia ameaça entrar com denúncia na OMC contra Argentina
Autor: Lino, Flávio; Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 15/04/2011, Economia, p. 31

Barreiras às importações podem impedir livre comércio com o Mercosul

BRUXELAS e BUENOS AIRES. Em meio às negociações para a assinatura de um acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, retomadas em maio do ano passado, o bloco europeu ameaçou, ontem, entrar com uma denúncia contra a Argentina na Organização Mundial de Comércio (OMC), o que pode prejudicar o avanço das discussões. Segundo o comissário de Comércio da UE, Karel De Gucht, o organismo questionará a aplicação de barreiras às importações (as chamadas licenças não automáticas, LNA) que, desde fevereiro, afetam mais de 200 produtos europeus, sobretudo do setor industrial.

Fontes do Ministério das Relações Exteriores argentino disseram ao GLOBO que a advertência de De Gucht não surpreendeu o governo de Cristina Kirchner, já que "o assunto está circulando há algum tempo e foi discutido em reuniões informais com negociadores europeus".

- Estamos cumprindo todas as regras do comércio internacional - disse a fonte, que pediu para não ser identificada.

Depois de dois meses de reuniões em Assunção e Bruxelas, representantes das duas partes voltarão a se encontrar no próximo mês, na capital paraguaia. A ofensiva protecionista do governo argentino - que, preocupado com a queda de seu superávit comercial (de US$16,8 bilhões para US$12 bilhões entre 2009 e 2010), aumentou de 400 para 600 o número de produtos que passaram a ser atingidos pelo sistema de LNA - é considerada pela UE um obstáculo ao acordo que começou a ser negociado há mais de dez anos. Já setores da indústria argentina argumentam que o maior entrave é a decisão da UE de não flexibilizar sua Política Agrária Comum (PAC). Nas últimas reuniões, ficou claro que o bloco não pretende ampliar sua oferta agrícola, ou seja, reduzir os subsídios aos produtores dos países que o integram.

- Isso (o protecionismo argentino) está prejudicando as negociações. Se não houver acordo, podemos levar a questão à OMC - disse De Gucht.

Nos corredores da União Industrial Argentina (UIA), que acompanha de perto as discussões, a sensação é de que a UE busca um culpado para um eventual fracasso nas negociações com o Mercosul.

- É mais fácil culpar a Argentina do que admitir que as negociações correm o risco de fracassar pela decisão de não flexibilizar a política agrícola da UE - comentou uma fonte da UIA. - Os europeus escolheram o caminho mais simples: acusar a Argentina e evitar um conflito com o Brasil, que, hoje, tem peso maior no cenário internacional.

O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, evitou falar em um confronto com a Argentina:

- Vamos tentar encontrar soluções por meio do diálogo.

(*) O repórter viajou a convite da União Europeia